A omissão do procurador Augusto Arras na proteção dos crimes de Bolsonaro

Sob o título “E o que faz o procurador-geral da República?“, o artigo a seguir é de autoria de Claudio Fonteles, ex-procurador-geral da República. Foi publicado originalmente em seu blog.

“Por 35 anos dediquei-me ao Ministério Público Federal para me dedicar a servir à Democracia. Não posso silenciar ante o que vejo”, afirmou Fonteles em mensagem aos leitores. (*)

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“Quem decide se o povo vai viver em uma democracia ou ditadura são as Forças Armadas. Não tem ditadura onde as Forças Armadas não a apoiam”. 

São palavras de Jair Messias Bolsonaro, ditas na segunda-feira, dia 18 de janeiro do ano em curso. (jornal Correio Braziliense de 19/01/2021 – pg. 4).

Palavras gravíssimas.

Primeiro porque enunciadas por quem preside a República Federativa do Brasil, definida como Estado Democrático de Direito e fundamentada na: soberania; na cidadania; na dignidade da pessoa humana; nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no pluralismo político.

Assim somos nós, brasileiras e brasileiros por nosso pacto de convivência social, elaborado por nossos representantes, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte, e expresso no artigo 1º e seus cinco (5) incisos da Constituição Federal de 1988.

Segundo porque a missão das Forças Armadas, também definida em nossa Carta Constitucional, não é de julgar coisa alguma; não é de decidir nada de natureza política – tomado o termo política, aqui, como a significar a condução dos assuntos pertinentes ao interesse social e ao bem comum -; não é de imiscuir-se em assuntos que não os que, estrita e textualmente, postos no artigo 142 da Constituição Federal.

“Artigo 142: As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Portanto, nas atribuições de “defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”, lugar não há para que se tenha as Forças Armadas como juízes a decidir sobre a forma de governo: democracia ou ditadura.

Aliás, apresentando Jair Messias Bolsonaro, como opção a ser considerada, no mesmo patamar da democracia, a ditadura, sem a menor dúvida expõe a lesão o regime representativo e democrático.

Essa sua conduta tipifica-se, criminalmente, no âmbito da Lei nº 7170/1983 que, justamente, foi promulgada para descrever as condutas delituosas “que lesam ou expõe a perigo de lesão o regime representativo e democrático, a Federação, e o Estado de Direito (artigo 1º da Lei nº 7170/83, grifei).

E, dentre as condutas elencadas e definidas como crime está a de: “incitar à subversão da ordem pública e social”. (artigo 23, inciso I, da Lei nº 7170/83.

Ora, Jair Messias Bolsonaro, como presidente da República, em pronunciamento público que faz, propagando o que propaga – as Forças Armadas como juiz único sobre a forma de governo do Brasil: se democracia ou ditadura -, claramente motiva, incita seus correligionários – como aliás já o fez em fatos sob apuração em sede de inquérito judicial em tramitação no Supremo Tribunal Federal sobre comportamentos antidemocráticos – a indisporem-se contra o regime representativo e democrático.

O artigo 127 da Constituição Federal é textual no dizer que o Ministério Público, instituição permanente, tem sua razão de ser, o porquê de sua existência na “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

E o que faz o procurador geral da República, Augusto Aras, ante essa situação gravíssima?

Nada!

Cabe, para finalizar, a transcrição de sábia advertência que o Papa Francisco faz a propósito do “Fim da Consciência Histórica”:

“14. São as novas formas de colonização cultural. Não nos esqueçamos de que “os povos que alienam a sua tradição e – por mania imitativa, violência imposta, imperdoável negligência ou apatia – toleram que se lhes roube a alma, perdem, juntamente com a própria fisionomia espiritual, a sua consistência moral e, por fim, a independência ideológica, econômica e política”. Uma maneira eficaz de dissolver a consciência histórica, o pensamento crítico, o empenho pela justiça é esvaziar de sentido ou manipular as “grandes palavras”. Que significado têm hoje palavras como “democracia”, “liberdade”, “justiça”, “unidade”? Foram manipuladas e desfiguradas para serem utilizadas como instrumentos de domínio, como títulos vazios de conteúdo que podem servir para justificar qualquer ação”. (Carta Encíclica Fratelli Tutti – nº 14 – pg. 17/18 – edições CNBB, grifei).

Paz e Bem!

(*) Franciscano leigo da fraternidade de S. Francisco de Assis, Claudio Fonteles é graduado e pós-graduado em Direito na Universidade de Brasília. Em 7 de novembro de 1973, tomou posse no cargo de procurador da República. Atualmente, leciona Doutrina Social da Igreja no curso superior de Teologia da Arquidiocese de Brasília.

JORGE RORIZ