A polaridade inócua dos brasileiros nas eleições americanas

Por: Rodrigo Lins*

A proximidade do pleito eleitoral americano tem estimulado o aumento da onda de polêmicas entre a comunidade brasileira que vive nos Estados Unidos. De um lado, brasileiros indocumentados, do outro, residentes permanentes (documentados) que repercutem nas redes sociais seus posicionamentos políticos, mesmo que ambos os lados não tenham de fato o poder de voto.

A disputa acirrada entre os brasileiros, que movimenta as redes sociais neste período final até as eleições revela o perfil geral da comunidade brasileira que reside no país norte americano. De um lado, uma imensa comunidade indocumentada (que não possui autorização para permanecer e trabalhar nos EUA) que se vê desassistida de propostas políticas, pelos dois candidatos à presidência, pró legalização e melhorias para a comunidade imigrante no país.

Do outro lado, uma quantidade expressiva de brasileiros que residem permanentemente nos EUA (portadores do Green Card), e que, recentemente chegaram ao país, especulam a corrida eleitoral americana como se imbuídos do espírito de cidadão que ainda não detém. Dados do Departamento de Estado Americano revelam que aumentou esta parcela documentada de imigrantes brasileiros que residem no país.

Em três anos, o número de brasileiros aprovados para morar no país deu um salto. Em 2018 (dado mais recente), foram emitidos 4.300 vistos de imigração para cidadãos do Brasil – um aumento de 74% em relação a 2015, quando houve 2.478 vistos concedidos. Uma expressiva comunidade que deverá aguardar em média 5 anos desde a obtenção do Green Card para aplicar e obter a cidadania americana e, enfim poder votar.

Ora, se nenhum dos lados pode de fato interferir na corrida eleitoral por que uma polaridade tão ativa toma conta da comunidade nas redes? Fatores de ordem emocional podem explicar esse fenômeno e ajudar a compreender também as discrepâncias entre os imigrantes brasileiros. A parcela de indocumentados, por exemplo, de modo geral tende a ser mais democrata devido ao perfil mais assistencialista da ideologia do partido. Os documentados mais republicanos devido ao forte apelo pró empresas nos EUA.

O perfil de trabalhadores estrangeiros nos EUA mudou nos últimos cinco anos saindo de uma atuação mais operacional e braçal (maioria na parcela de indocumentados) para posições em gestão e empreendedorismo (maioria na parcela de documentados). Dados do Bureau of Labor Statistics mostram que dos 27,2 milhões de trabalhadores estrangeiros empregados com 16 anos ou mais até 2018, a maior parte, mais de 33%, trabalhava em administração, negócios, ciências e artes. O percentual é muito maior que os 13% que atuam em Recursos Naturais, Construção e Manutenção (serviços que há pouco mais de 10 anos eram os mais atraentes a imigrantes que iam aos EUA).

Ou seja, a parcela indocumentada busca, em geral, por benefícios imigratórios e a possibilidade de legalização no país. Enquanto a comunidade documentada opta por bradar em favor da plataforma política que acreditam será mais favorável ao empreendedorismo.

Outro fenômeno recente são as discrepâncias dentro destes perfis na comunidade. Indocumentados que apoiam a reeleição de Donald Trump, claramente contrário à sua presença nos EUA, empreendendo esforços ao longo de sua gestão para deportação em massa e aumento das exigências imigratórias. E, documentados mais favoráveis a ideologia de Joe Biden.

Após o acordo entre o presidente americano, Donald Trump e o brasileiro, Jair Bolsonaro, para deportação em massa de indocumentados brasileiros nos EUA, mais de 20 aviões abarrotados de brasileiros indocumentados já pousaram em Minas Gerais. Desde outubro de 2019, o número de deportados do país americano chega, até agora, a 1.115.

O que esta realidade revela é que, embora perseguidos pela gestão de Trump, alguns brasileiros indocumentados apoiam o candidato. Uma discrepância que pode ser explicada pela falta total de esperança em se legalizar no país e pela assimilação do contexto social americano, ou seja, o indocumentado passa a acreditar e sentir como sendo americano ao arrepio de sua própria realidade.

Por outro lado, parte dos documentados também já assimila o contexto social americano e se acredita detentora do status conferido pela cidadania no país. Uma usurpação de benefícios que é mera ilusão e que pode, inclusive, não se concretizar. Um efeito totalmente psicológico que mostra o abandono à identidade brasileira e à noção de que se é imigrante até o juramento da nova bandeira, para acolhimento da realidade americana irrefletidamente.

O que precisa também ser considerado é que, em geral, a comunidade brasileira assimila a realidade do estado americano que está posicionada. Ou seja, na Califórnia, estado mais alinhado aos democratas, é maior a parcela de imigrantes brasileiros que defende a vitória de Biden. Na Flórida, estado que tende a ser mais republicano, é maior a presença de imigrantes brasileiros que se declaram favoráveis a Trump.

Um debate que, como explicado, é inócuo e que pode até não influenciar em nada as eleições americanas, mas revela, e muito, o perfil da comunidade brasileira residente nos Estados Unidos.

*Rodrigo Lins é Mestre em Comunicação, Especialista em linguagem audiovisual, Professor universitário, jornalista e escritor, reside legalmente nos Estados Unidos e é autor do livro “Internacionalize-se: Parâmetros para levar a carreira profissional aos EUA legalmente” lançado em 2019. Dirige a agência de Comunicação, Marketing e Imprensa multinacional Onevox Creative Solutions com sede nos EUA. Mais informações: onevoxglobalpontocom

JORGE RORIZ