Alexandre de Moraes abre nova investigação sobre organização criminosa digital

Alexandre de Moraes com a PF aponta Flávinho e Carlos Bolsonaro, Como integrantes de organização criminosa de fake news.

O ministro do Supremo Alexandre de Moraes acolheu o pedido da Procuradoria-Geral da República para arquivar o inquérito dos atos antidemocráticos, e abriu uma investigação ampla sobre a atuação de uma organização criminosa digital que age contra a democracia.

O inquérito arquivado nesta quinta-feira (1°) tinha sido aberto pelo Supremo, a pedido da Procuradoria-Geral da República, depois das manifestações antidemocráticas em 19 de abril do ano passado, com ataques ao STF e ao Congresso Nacional e a favor do AI-5, o ato mais duro da ditadura militar.

O próprio presidente Jair Bolsonaro discursou em uma dessas manifestações, em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília. Bolsonaro, no entanto, não foi investigado.

Nesta quinta-feira, o ministro Alexandre de Moraes tomou duas decisões. A primeira foi de arquivar esse inquérito, que investigava possível violação à lei de segurança nacional.

Seguindo a jurisprudência do STF, ele atendeu a um pedido da PGR. Em manifestações ao Supremo, nos dias 4 e 17 de junho, o vice-procurador-geral Humberto Jacques de Medeiros pediu o arquivamento do inquérito em relação a investigados com foro privilegiado, no caso, deputados federais, e o prosseguimento na primeira instância em relação aos demais alvos.

A PGR avaliou que a Polícia Federal não aprofundou as investigações. Não seguiu, por exemplo, o rastro do dinheiro para organizar e financiar os atos. O Ministério Público é o detentor da ação penal e cabe a ele decidir o que merece ou não ser arquivado.

Ao mesmo tempo em que arquivou esse inquérito, o ministro Alexandre de Moraes determinou a abertura de uma nova investigação para apurar fortes indícios e provas significativas colhidas pela Polícia Federal, que apontam para a existência de uma verdadeira organização criminosa.

Um grupo com a finalidade de atentar contra o estado democrático de direito e que se articularia em núcleos de produção, publicação, financiamento e político.

Usando também a jurisprudência do Tribunal, Alexandre de Moraes lembrou o papel constitucional do Ministério Público, a quem cabe oferecer denúncia, a acusação formal na Justiça, e ressaltou que isso não impede que sejam realizadas investigações que não foram requisitadas pelo MP.

Ele diz que “à luz do sistema jurídico-normativo brasileiro, não se confunde a fase pré-processual (investigativa) com a titularidade da ação penal pública, cuja promoção, nos termos constitucionais, é privativa do Ministério Público, não impedindo, entretanto, a realização de investigações que não sejam requisitadas pelo Ministério Público”.

E citou que “durante as investigações realizadas pela Polícia Federal, surgiram fortes indícios e inúmeras provas sobre outras condutas, em tese, criminosas, anteriormente não conhecidas pela autoridade policial ou pela Procuradoria-Geral da República”.

E que “inúmeras condutas narradas no relatório da Polícia Federal e que necessitam de maiores investigações, aparecem citações ou efetivas participações de parlamentares federais, que têm prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal”.

Moraes citou, em sua decisão, que a necessidade de mais investigações envolve a articulação do blogueiro Allan dos Santos, do canal Terça Livre, que buscou conexões dentro do governo, e que, neste movimento, Santos envolveu deputados, como Eduardo Bolsonaro – filho do presidente – e Bia Kicis, ambos do PSL.

“As investigações da Polícia Federal trouxeram fortes indícios de que Allan dos Santos atua na condição de um dos organizadores dos diversos ataques à Constituição Federal, aos poderes de estado e à democracia, principalmente, por meios digitais. (…) Esta atuação ativa, em conjunto com uma séria de parlamentares, atores do universo das redes sociais e outros defensores do rompimento institucional, constitui um dos objetos necessários de futura investigação”.

E que “a partir da posição privilegiada junto ao presidente da República e ao seu grupo político, especialmente os deputados federais Bia Kicis, Paulo Eduardo Martins, Daniel Lúcio da Silveira, Caroline de Toni e Eduardo Bolsonaro, dentre outros, além e particularmente o tenente-coronel Mauro Cesar Cid, ajudante de ordens do presidente da República, a investigação realizada pela Polícia Federal apresentou importantes indícios de que Allan dos Santos tentou influenciar e provocar um rompimento institucional”.

O ministro ressaltou que um dos objetivos do grupo é obter financiamento com verbas públicas para a propagação de ideias antidemocráticas e que “nas anotações apreendidas na residência de Allan – o mesmo local onde se reunia com diversos parlamentares e agentes públicos – havia indicação de possível planejamento de obtenção de verbas públicas via Secom – a Secretaria de Comunicação da Presidência -, fato que precisa ser apurado, identificando se, eventualmente, houve direcionamento e uso de verbas públicas para o fomento dos ataques perpetrados por Allan dos Santos e seu grupo ideológico”.

Alexandre de Moraes afirma ainda que as investigações da Polícia Federal identificaram “a existência de um possível ‘núcleo de divulgação’ composto por agentes políticos, servidores públicos e autodenominados comunicadores, cuja finalidade específica é promover ataques a determinados agentes públicos, notadamente integrantes do Poder Judiciário e do Poder Legislativo, como forma de agredir as instituições democráticas, especialmente a representação popular por representantes do Congresso Nacional e o estado de direito, por meio de ataques ao Supremo Tribunal Federal”.

Ao detalhar a atuação de um dos núcleos da suposta organização criminosa, Moraes citou o relatório produzido pela empresa Atlantic Council sobre o comportamento de contas falsas do Facebook.

A Polícia Federal aprofundou a apuração feita pela empresa. Detalhou, por exemplo, que estas contas foram acessadas por assessores de parlamentares e da presidência da República.

Uma delas “a página BolsonaroNews, de responsabilidade de Tércio Arnaud Tomaz, assessor especial da presidência da República, foi acessada mais de 50 vezes a partir de IP do Palácio do Planalto, no período entre novembro de 2018 e maio de 2019, além de outras 14 vezes a partir do Comando da 1ª Brigada de Artilharia Antiaérea”.

A partir destas informações, Moraes afirmou que as investigações demonstram que há “sérios indícios de uso da rede de computadores interna do Palácio do Planalto, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, por meio de assessores de parlamentares reconhecidamente ligados ao objeto de investigação nestes autos, para divulgar ataques às instituições democráticas, seus integrantes e, deliberadamente contra o regime democrático e o estado de direito estabelecidos pela Constituição Federal”.

Moraes afirmou ainda que a “continuidade da apuração é necessária, verificando-se se, de fato, houve uso de meios públicos, o que agrava a imputação da conduta de quem pretende, por meios ilícitos, atacar as instituições democráticas do Brasil”.

Segundo o ministro, a forma de agir desse grupo pode caracterizar a violação de, pelo menos, cinco leis, com crimes previstos na lei de segurança nacional, lei de organização criminosa, lei de crimes contra a ordem tributária e econômica, lei de crimes contra o sistema financeiro nacional e lei de lavagem de dinheiro.

Ao final, o ministro Moraes conclui a decisão determinando “a instauração de inquérito específico, para o prosseguimento das investigações dos eventos citados pela Polícia Federal em virtude da presença de fortes indícios e significativas provas apontando a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político absolutamente semelhante àqueles identificados no inquérito das fake news também investigado pelo Supremo”.

A Procuradoria-Geral da República não se manifestou sobre a decisão do ministro Alexandre de Moraes.

O deputado Paulo Martins afirmou que respeita as leis e a Constituição, que não é investigado, que foi ouvido como testemunha e que não é próximo de Jair Bolsonaro, com quem falou duas ou três vezes nos últimos dois anos anos e de forma institucional.

A deputada Bia Kicis declarou numa rede social que a investigação é sobre uma organização criminosa de um crime que não existe.

A defesa do deputado Daniel Silveira disse que procedimento vai redundar em nada, que o arquivamento da ação originária é um indício da falta de substrato fático e que ele não tem qualquer envolvimento com o objeto da investigação.

A deputada Caroline de Toni afirmou que é defensora do estado de direito e da ordem democrática e que jamais aceitaria qualquer rompimento da atual ordem jurídica.

O Jornal Nacional não teve retorno de Alan dos Santos, Mauro Cesar Cid, Tércio Arnaud Tomaz e da Secretaria de Comunicação da Presidência. O JN também não conseguiu contato com o deputado Eduardo Bolsonaro.

Em uma rede social, o senador Flávio Bolsonaro disse que lamenta profundamente a instalação de um novo inquérito.

JORGE RORIZ