Amazônia pode se tornar palco de futuro conflito internacional

 

Fernando Alcoforado*

Se nada mudar os Estados Unidos terão, finalmente, o que sempre ambicionaram: a conquista da Amazônia. O presidente Bolsonaro, anunciou recentemente que pretende entregar para os americanos a exploração das riquezas desta imensa região, cujo desmatamento, após a sua posse, já atingiu índices alarmantes. Não apenas os brasileiros, mas o mundo inteiro não esconde a sua preocupação com a política ambiental de Bolsonaro que, sem uma base científica, contesta os números do desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), os quais revelam um acelerado processo de destruição da floresta amazônica. A situação é gravíssima porque a floresta amazônica, segundo os cientistas, é responsável pela maior absorção do dióxido de carbono exercendo, portanto, um papel fundamental no combate à mudança climática catastrófica que se prevê para o século XXI.

O papa Francisco considerou que os dirigentes do mundo devem salvar a Amazônia, onde há muitos interesses em jogo, segundo uma entrevista publicada pelo jornal italiano La Stampa. A Amazônia, que abrange nove países da América do Sul, “é um lugar representativo e decisivo”, afirmou o papa. “Junto com os oceanos, contribui determinantemente para a sobrevivência do planeta”, recordou o sumo pontífice, que convocou para outubro um sínodo de bispos sobre esse tema no Vaticano. Francisco denunciou na entrevista os verdadeiros obstáculos que impedem a salvaguarda desse enorme território ameaçado pelo desmatamento, o agronegócio e a indústria madeireira. “A ameaça da vida das populações e do território deriva de interesses econômicos e políticos dos setores dominantes da sociedade”, resumiu. A reunião no Vaticano é como “um filho da Laudato si'”, detalhou o papa, ao se referir a uma de suas primeiras encíclicas sobre a defesa da natureza. “Não é uma encíclica verde, é uma encíclica social, que se baseia em uma realidade ‘verde’, a custódia da Criação”, acrescentou. Durante a entrevista, o papa convidou os líderes políticos a eliminar “os próprios conluios e corrupções” para que se concentrem nesses temas. Para o papa, “o desmatamento significa matar a humanidade”, acrescentou.

A ameaça à floresta amazônica fez com que o pesquisador Stephen M. Walt, professor da Universidade de Harvard, em artigo na revista americana Foreign Policy, considerasse a possibilidade de uma intervenção militar internacional para salvar a Amazônia da sanha destruidora de Bolsonaro. Para Walt, é uma questão de tempo até que as lideranças mundiais façam “o que for necessário” para estancar a fúria devastadora da Amazônia, incentivada por Bolsonaro. Embora o desmatamento tenha sido acelerado após a posse de Bolsonaro, conforme comprovado pelo INPE, a verdade é que a advertência do pesquisador americano não reflete apenas uma preocupação com a região, mas representa, também, uma ameaça de internacionalização da Amazônia. Isto significa dizer que Bolsonaro estaria contribuindo, não apenas para a transferência deste imenso patrimônio do povo brasileiro para os Estados Unidos, mas também para uma intervenção militar internacional na região.

A capa da revista britânica The Economist apresentou a Amazônia com árvores devastadas pela motosserra, com o título Deathwatch for the Amazon (O relógio da morte para a Amazônia). Esta revista afirma que a maravilha natural da América do Sul pode estar perigosamente próxima do ponto de inflexão além do qual sua transformação gradual em algo mais próximo de estepe pode não ser impedida ou revertida porque o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, está contribuindo para o colapso ecológico que suas políticas contra o meio ambiente podem precipitar e que precisa ser evitado. As legislações ambientais existentes de proteção da Amazônia estão sendo eliminadas e a floresta está ameaçada sob o governo Bolsonaro. A atitude reativa do governo Bolsonaro contrária à proteção da floresta amazônica está colocando na ordem do dia, segundo a revista The Economist a questão seguinte: O que a comunidade internacional deveria fazer para evitar ou reverter ações danosas para o meio ambiente global praticadas pelo governo Bolsonaro do Brasil?

Uma das medidas que poderiam ser tomadas para pressionar países ambientalmente irresponsáveis como o Brasil de Bolsonaro seria o uso da força militar por parte do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O Brasil se torna um alvo passível desta intervenção porque o país tem posse de um recurso, a floresta amazônica, cuja destruição prejudicaria todo o globo. O autor do artigo do The Economist enfatiza que não tem o propósito de estimular tais ações, que podem parecer exageradas para o contexto atual, mas deixa claro que à medida em que os eventos climáticos se agravarem, é provável que ações mais enérgicas (que não são necessariamente dependentes do uso de força) serão adotadas por líderes políticos contra países cujas ações impliquem em danos ambientais, com o propósito de frear as mudanças climáticas.

Além do desmatamento, outra justificativa de intervenção militar internacional, sob o pretexto de defesa dos direitos humanos, seria a ameaça à existência dos povos indígenas residentes na Amazônia resultante da destruição da floresta. O Crime de Genocídio está definido no Artigo 6º do Estatuto de Roma que reflete a definição contida na Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, de 1948 (Convenção contra o Genocídio), bem como nos estatutos do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia [ICTY, na sigla em inglês] e do Tribunal Internacional para Ruanda [ICTR, na sigla em inglês]. A ameaça aos indígenas pode ser caracterizada como genocídio que tem sido identificado como o “crime dos crimes”. A ação do governo Bolsonaro pode ser caracterizada como atos de degradação deliberada do ambiente que levam à destruição de um grupo de seres humanos (ou parte dele), prejudicando sua capacidade de manter seu modo de vida e sua cultura. Nesse sentido, o Estatuto de Roma especifica, como ato que caracteriza genocídio: “sujeição intencional do grupo a condições de vida com vistas a provocar sua destruição física, total ou parcial”.

Possuindo a maior bacia de água doce do mundo e uma das maiores reservas minerais do planeta, a região amazônica tem sido alvo ao longo dos anos de pesquisas clandestinas de vários países, especialmente dos Estados Unidos, através de “missões científicas” que contrabandearam amostras de minérios e de plantas. As denúncias sobre a ação clandestina de estrangeiros na Amazônia, mais precisamente de americanos, é antiga. É importante observar que as riquezas existentes na Amazônia em termos dos gigantescos recursos hídricos, recursos minerais e recursos da biodiversidade são fontes de cobiça das grandes potências. Isto se deve à perspectiva de sua escassez até a metade do Século XXI. O fato de a Amazônia Legal ser a maior província mineral do mundo, estimada em 7 trilhões de dólares contribui também para que ela possa vir a ser objeto de intervenção das grandes potências mundiais.

A ameaça de internacionalização da Amazônia que, apesar das evidências, muita gente ainda considera fantasia, é antiga, uma realidade que só não vê quem não quer. No final da década de 1960 uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados fez uma ampla investigação sobre a presença estrangeira na Amazônia e concluiu que cerca de 20 milhões de hectares já estavam em poder de estrangeiros. Os governos brasileiros posteriores à ditadura militar tomaram algumas providências de proteção da região, inclusive com a instalação de bases militares e do Sipam (Sistema de Proteção da Amazônia), com o uso de satélites, mas há suspeitas de que as informações coletadas passariam pelo Pentágono antes de chegarem ao Brasil, porque a empresa americana que forneceu os equipamentos é a mesma que trabalha para as forças armadas dos Estados Unidos.

O que se espera é que o Congresso Nacional, que terá de ser consultado conforme determina a Constituição, possa interromper o processo entreguista da Amazônia pelo governo Bolsonaro aos Estados Unidos, rejeitando seus projetos antinacionais nesta região. A entrega da base de Alcântara aos Estados Unidos, já tentada anteriormente pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e barrada no Parlamento pelo então deputado Waldir Pires impediu esta ação até a posse do presidente Lula, que sepultou a pretensão de FHC. Espera-se que os militares nacionalistas que têm se mantido em silêncio diante das ações entreguistas de Bolsonaro, especialmente em relação à privatização da Petrobrás e desnacionalização do pré-sal, à entrega da base espacial de Alcântara aos Estados Unidos e a desnacionalização da Embraer, se posicionem contra o atentado aos interesses nacionais representado pela entrega da Amazônia aos Estados Unidos. A soberania da Amazônia depende muito dos amazônidas que vivem nos lugares mais remotos dessa imensa região. Sem uma política voltada para o desenvolvimento da região, cujos principais órgãos de desenvolvimento – a Sudam e o Banco da Amazônia – foram sucateados ao longo do tempo, a área estará sob permanente ameaça de internacionalização, sobretudo agora, no governo Bolsonaro, que pretende entregá-la oficialmente aos Estados Unidos, ao qual tornou o Brasil submisso.

Para evitar que aconteça intervenção internacional no Brasil contra o desmatamento e em defesa das populações indígenas, é preciso que o governo brasileiro implemente uma política de desenvolvimento da região amazônica tendo como um dos pré-requisitos fundamentais assegurar a preservação da Floresta Amazônica que está ameaçada de destruição devido ao desmatamento e queimadas resultantes da expansão da atividade agropecuária e madeireira, à exploração mineral que vem deixando um legado de pobreza e sérios impactos socioambientais, à implantação de rodovias que estão causando grandes impactos ambientais e às hidroelétricas cujos reservatórios planejados podem provocar tantos impactos negativos ao meio ambiente que a sua construção não é recomendável. Além de preservar a floresta amazônica, o governo brasileiro deveria se empenhar no sentido de defender as populações indígenas lá residentes.

Diante da ameaça de entrega da Amazônia pelo governo Bolsonaro aos Estados Unidos e a possibilidade de intervenção estrangeira, cabe ao povo brasileiro, ao Parlamento e aos militares nacionalistas impedirem que isto aconteça, com a adoção de medidas que impeçam a entrega da Amazônia e assegurem sua proteção ambiental, garantindo que o desmatamento na Floresta Amazônica seja cessado e evitando possíveis conflitos acerca dessa problemática.

* Fernando Alcoforado, 79, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019).

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