As lições da guerra entre Rússia e Ucrânia

Fernando Alcoforado*

Este artigo tem por objetivo apresentar oito lições extraídas da guerra entre Rússia e Ucrânia. Recentemente, os Estados Unidos, a OTAN e a União Europeia se uniram para desencadear uma guerra econômica e financeira contra a Rússia para gerar uma crise econômica interna que possa contribuir para a derrubada de Wladimir Putin do poder e fazer com que este país obedeça aos ditames das grandes potências econômicas e militares ocidentais. A guerra econômica e financeira contra a Rússia foi adotada diante da impossibilidade de uma intervenção militar direta na Ucrânia pela OTAN, a aliança militar ocidental, que poderia desencadear uma nova guerra mundial de consequências catastróficas para a humanidade com a possibilidade do uso de armas nucleares.

As grandes potências econômicas e militares ocidentais descartaram o envio de tropas para combater na Ucrânia, usando as sanções econômicas e financeiras como o principal meio para enfraquecer economicamente a Rússia. As medidas podem comprometer até 6% do Produto Interno Bruto da Rússia, segundo a Oxford Economics. A resposta dos Estados Unidos, Reino Unido, União Europeia, Canadá, Japão, Austrália e outros países à invasão da Rússia na Ucrânia é inédita. Até mesmo a Suíça, país famoso por sua neutralidade e sigilo bancário, impôs, também, sanções financeiras à Rússia.

Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido e outros países anunciaram um conjunto de sanções econômicas e financeiras à Rússia sem precedentes, em resposta à invasão do país à Ucrânia. Entre as medidas estão a exclusão de bancos russos do sistema Swift de transferências financeiras internacionais e o congelamento de boa parte das reservas do Banco Central da Rússia da ordem de US$ 630 bilhões mantidas no exterior. Sem acesso a essas reservas financeiras, a moeda da Rússia, o rublo, vai perdendo valor. E, com os países deixando de comprar produtos russos ou de vender, as negociações vão diminuindo. E isso tem o potencial de levar a economia russa a uma crise profunda, em que a produção e o consumo vão minguando por falta de insumos para produzir e de recursos para comprar.

A exclusão das instituições russas do sistema Swift é a mais forte sanção, porque trava qualquer tipo de negociação comercial e a possibilidade de que o dinheiro chegue ao país. As sanções adotadas têm o objetivo político de forçar a Rússia a negociar o fim da guerra em condições desvantajosas com a Ucrânia. Trata-se, entretanto, de uma solução inócua porque não fará a Rússia abandonar seu propósito de fazer com que seus objetivos se imponham na Ucrânia, isto é, a derrubada do governo ucraniano, o esmagamento das forças neonazistas lá existentes, o reconhecimento das repúblicas populares de Donetsk e Luhansk e, sobretudo, impedir que a Ucrânia se incorpore à OTAN. No entanto, a continuidade da guerra fará com que as sanções econômicas tenham potencial devastador para o PIB, para a geração de emprego, de renda e para o comércio internacional russo. Disto pode resultar a cessação do processo de investimento no país comprometendo a economia de forma mais profunda.

Sanções econômicas e financeiras à Rússia podem levar, também, o mundo à recessão. Retaliações econômicas e financeiras devem ter consequências negativas para os próprios países que estão impondo as sanções e à economia global. A guerra da Ucrânia pode afetar o crescimento da economia mundial em 2022 graças ao impacto da inflação que poderá se elevar com a possibilidade de os preços do petróleo e do gás natural crescerem vertiginosamente se houver a redução ou suspensão de seu suprimento pela Rússia que é um dos grandes produtores mundiais de insumos energéticos. Este cenário pode levar os bancos centrais de todo o mundo a elevar as taxas de juros de forma mais rápida, numa tentativa de conter a inflação. Com juros mais altos, a economia global tende a crescer menos. Há a possibilidade de uma recessão global ou mesmo depressão global que poderá ocorrer caso o conflito se generalize deixando a esfera restrita da Ucrânia.

A asfixia em que está submetida a economia da Rússia pode contribuir para que haja o enfraquecimento do poder de Wladimir Putin seja por defecções das classes dominantes internas que,  prejudicadas pelas sanções econômicas e financeiras das grandes potências ocidentais, discordem de sua estratégia de guerra na Ucrânia e desejam manter boas relações com o Ocidente, seja pela ação das forças políticas de oposição, as quais podem levar à mudança no comando político do país com o afastamento de Putin do poder, mas pode, também, conduzi-lo à radicalização no confronto com os Estados Unidos, a União Europeia e a OTAN como tentativa de se manter no poder e se impor diante do poder das grandes potências ocidentais. As consequências para humanidade seriam nefastas neste último caso porque o mundo seria levado a uma nova guerra mundial.

Os dirigentes dos Estados Unidos, União Europeia e OTAN estão se esquecendo que, na história da humanidade, as guerras econômicas se transformaram muitas vezes em guerras reais. A asfixia econômica e financeira a que foi submetida, por exemplo, a Alemanha pelo Tratado de Versalhes após a 1ª Guerra Mundial contribuiu para o advento da 2ª Guerra Mundial. Esta asfixia econômica e financeira em que foi submetida a  Alemanha pelo Tratado de Versalhes contribuiu para a derrocada da República democrática de Weimar e a ascensão ao poder do nazismo. Estados Unidos, União Europeia e OTAN não impedirão a derrota militar da Ucrânia ao promoverem a guerra econômica e financeira contra a Rússia, mas poderão fazer com que Wladimir Putin radicalize suas ações no confronto contra seus inimigos porque se trata para ele para a Rússia de um jogo de vida ou morte. O futuro de Putin e da Rússia dependem do desfecho da guerra entre Rússia e Ucrânia.

Várias são as lições da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. A primeira lição é a de que nenhum país do mundo está seguro de que não possa ser invadido pelas grandes potências se não atender a seus interesses. A segunda lição é a de que o poder das grandes potências ocidentais, representado pelos Estados Unidos, União Europeia, entre outros países, e a OTAN, pode asfixiar a economia de qualquer país do mundo com a adoção de sanções econômicas e financeiras como as realizadas pela primeira vez na história contra a Rússia. A terceira lição é a de que a ONU não cumpriu o seu papel de mediar o conflito entre a Rússia e a Ucrânia para evitar as nefastas consequências da guerra e preservar a paz mundial. A quarta lição é a de que a inoperância da ONU contribuiu para que os senhores da guerra de ambos os lados procurassem impor suas vontades com o uso do poder militar, no caso da Rússia, e do poder econômico, no caso grandes potências ocidentais, representado pelos Estados Unidos, União Europeia, entre outros países, e a OTAN. A quinta lição é a de que o Direito Internacional foi mais uma vez desrespeitado com a invasão da Ucrânia pela Rússia. A sexta lição é a de que o mundo vivencia a anarquia nas relações internacionais em que prevalece a lei do mais forte. A sétima lição é que o poder da indústria bélica promove a expansão militar das grandes potências do mundo para fomentar guerras para ganhar dinheiro. A oitava lição é a de que a guerra econômica dos Estados Unidos, União Europeia e OTAN contra a Rússia pode ser o estopim de uma nova guerra mundial com a possibilidade de uso de armas nucleares.

Pelo exposto, pode-se concluir o seguinte:
1) Há a necessidade de cada nação buscar a autossuficiência econômica para evitar que ela sofra as consequências da ação concertada das grandes potências ocidentais se o país não se dobrar a seus interesses. A autossuficiência econômica é a condição para que nenhuma nação seja asfixiada pelo poder das grandes potências como está acontecendo com a Rússia. Todos os países devem buscar o intercâmbio comercial com o resto do mundo, mas sem se tornarem extremamente dependentes do exterior.
2) Há a necessidade de promover o desarmamento mundial com o fim da indústria bélica no mundo para que as guerras não sejam mais fomentadas. A paz mundial só será possível com o desarmamento que exige o fim da indústria bélica no mundo para que as guerras não sejam mais fomentadas.
3) Há a necessidade imperiosa da construção de uma nova ordem mundial para assegurar a paz internacional e o progresso da humanidade. Urge a construção de uma nova ordem mundial para substituir a falida ordem mundial atual que não assegura a paz internacional nem o progresso da humanidade.
4) Há a necessidade de um governo democrático mundial com a reestruturação da ONU, a transformação da Assembleia Geral da ONU em parlamento mundial e a transformação da Corte Internacional de Haia reestruturada em Suprema Corte Mundial para fazer com que o sistema internacional funcione em benefício de todas as nações, acabe com as guerras e assegure a paz mundial.  O Direito Internacional só será respeitado e aplicado com efetividade com a existência de sistema internacional que opere com um governo democrático mundial, um parlamento mundial e uma Suprema Corte Mundial.
O vídeo abordando o tema deste artigo:

* Fernando Alcoforado, 82, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017),  Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019) e A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021).
JORGE RORIZ