AS PEDALADAS, PARA NÃO INGÊNUOS

Percival Puggina

          Depois de longas horas assistindo a sessões da comissão especial do impeachment, posso testemunhar que o maior antagonismo não se formou entre o sim e o não, entre direita e esquerda, governistas e opositores. A mais notória divergência foi a mesma que, historicamente, se estabelece entre a verdade e o partido governista. Nele, fato, história, realidade e verdade são submetidos ao filtro das conveniências e ganham, sempre e sempre, o aspecto e a versão que mais convém aos seus interesses.

          Tal ditame integra a natureza mesma dos partidos revolucionários e totalitários de qualquer viés, criados para constituir uma nova ordem e sendo, portanto, insubmissos à ordem e à moral vigentes. Rápida folheada de vista na história é suficiente para estampar profusão de exemplos dessas ocultações trapaceiras em novelos de falsidades, mistificações e dissimulações. É aquilo que estava, por exemplo, na cabeça de Brecht quando, em “A medida punitiva”, estabeleceu: “Quem luta pelo comunismo tem que dizer a verdade e não dizer a verdade, manter a palavra e não cumprir a palavra (…). Quem luta pelo comunismo tem de todas as virtudes apenas uma – a de lutar pelo comunismo”.  

          Não era diferente a convicção de Goebbels, ministro de Propaganda de Hitler, quando ensinou que a mentira repetida mil vezes torna-se verdade. Foi o que ainda ontem (11/04), em sua última fala na sessão da Comissão Especial, num rasgo de sinceridade, o deputado José Guimarães, líder do governo, disse sobre a vinculação entre impeachment e golpe: “Pegou!”, disse ele. “A vinculação entre impeachment e golpe pegou”. Não se trata, necessariamente, de uma vinculação real. É uma vinculação que, pela repetição, “pegou”.

          Quero ater-me, aqui, a outro atropelamento da verdade, repetido ao longo dos últimos meses até não restar caco de paciência para ouvi-lo. Refiro-me à afirmação de que as pedaladas foram exigência da generosa dedicação do governo aos necessitados, pobres, humildes e carentes da pátria. Moradores do coração do governo, resgatados da miséria por sua prestimosa atuação, seriam estes Joões, Marias e Josés os destinatários principais dos recursos que fizeram explodir o orçamento e levaram o governo ao crime de responsabilidade unanimemente apontado pelo Tribunal de Contas da União.

          Enquanto esse discurso era salivado de boca em boca no plenário da comissão, o Banco Central, a três quilômetros dali, divulgava que os atrasos de repasses do governo a bancos públicos haviam alcançado R$ 60 bilhões no final de 2015, e que a maior parcela, no valor de R$ 17,3 bilhões, foi destinada ao rombo do PSI-BNDES.

          O rombo em miúdos: 30% do montante pedalado corresponde ao subsídio proporcionado pelo governo aos graciosos juros de 4% a 6% ao ano, cobrados nos empréstimos bilionários concedidos pelo BNDES a grandes empresas. Quem não os haveria de querer? O montante desses financiamentos, em meados de 2015, chegava a R$ 461 bilhões. O peso do subsídio sobre a dívida pública, ao longo das próximas décadas, vai a quase R$ 200 bilhões! Isso é dar esmola aos pobres e ser pródigo com os afortunados e endinheirados.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

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