É inédito partido do presidente obstruir MP do próprio governo

KENNEDY ALENCAR
BRASÍLIA

Pode ser uma falha da memória deste repórter, mas é inédito nas últimas três décadas o que aconteceu hoje na Câmara dos Deputados: o líder do partido do presidente da República se aliou à oposição para obstruir a aprovação de uma medida provisória editada pelo governo.

No governo Sarney, havia rusgas entre o MDB e o presidente. Ulysses Guimarães, presidente do MDB e da Câmara, viveu momentos tensos com o então presidente da República. José Sarney deixou o PDS (antiga Arena, partido da ditadura militar de 64) para entrar no MDB com a morte de Tancredo Neves.

Hoje, o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), colocou a sua legenda em obstrução para evitar a votação da MP 886, que reestrutura a Casa Civil e a Secretaria de Governo. Há risco de caducar a medida provisória editada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Como se diz em Minas Gerais, parece tempo de vaca não reconhecer bezerro. No PSL, está estabelecido um tiroteio.

O Delegado Waldir (GO) disse à repórter Bela Megale, do jornal “O Globo”, que a operação de hoje da PF (Polícia Federal) contra Luciano Bivar, presidente do PSL e deputado federal, era uma retaliação de Bolsonaro.

Segundo Waldir, o presidente já teria ciência da operação quando falou na semana passada que o presidente do partido estava queimado. O líder do PSL ainda afirmou que o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, e Fabrício Queiroz, ex-assessor de Jair e Flávio Bolsonaro, deveriam preparar um café para receber uma visita da Polícia Federal.

*

Bola de cristal

A operação da PF contra Bivar parece cair como uma luva nos planos de Bolsonaro, que entrou em guerra com o próprio partido. Serviria como eventual “justa causa” para que deputados saiam do PSL e tentem obter na Justiça Eleitoral o direito de levar para um outro partido suas cotas proporcionais de tempos de TV e rádio e dos fundos partidário e eleitoral.

Em Brasília, a brincadeira é que Bolsonaro tem uma bola de cristal, porque disse na semana passada a um apoiador que Bivar estava “queimado pra caramba”. O presidente conselhou o rapaz a esquecer o PSL.

Nos bastidores, há sinais de que o ministro da Justiça, Sergio Moro, tem tido acesso a investigações sigilosas e transmitido informações a Bolsonaro. Isso seria ilegal. Não seria atribuição do ministro da Justiça.

Uma investigação profunda no PSL poderia resultar em estilhaços para Bolsonaro. No ano passado, durante a campanha eleitoral, o PSL foi presidido por Gustavo Bebbiano _que acabaria demitido da Secretaria Geral da Presidência da República depois de ter atuado com fidelidade a Bolsonaro em 2018.

Bebbiano, que caiu em fevereiro e foi o primeiro ministro a ser demitido, tem ficado calado, fazendo críticas pontuais a Bolsonaro. Mas há rumores de que ele teria um arquivo com potencial de causar dano ao presidente da República.

*

Se sabe de algo, fale

Noutra frente de batalha, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) criticou a defesa da CPI das Fake News pelo senador Major Olímpio, também do PSL paulista. Eduardo Bolsonaro disse que lembraria do apoio de Olímpio a essa investigação quando houvesse convite para o suplente dele, Alexandre Giordano, depor no Congresso Nacional.

Foi uma alusão à suspeita de que Alexandre Giordano tentou intermediar no Brasil a venda de energia paraguaia gerada por Itaipu. Giordano faria o negócio com sobrepreço. Ou seja, uma sugestão de eventual corrupção no episódio, como relata a imprensa do Paraguai. Ora, se o filho do presidente sabe de algo desabonador sobre o senador, deveria falar.

Criando tantos conflitos, Bolsonaro só dificulta sua governabilidade no Congresso, desanima previsões em relação à economia e flerta com eventual retaliação de Bivar e seus opositores no PSL.

Ou seja, o presidente tem muito a perder. E o Brasil tem mais ainda a perder junto. É difícil que um governo dê certo com esse alto nível de conflitos criados pelo presidente, por filhos políticos, correligionários e aliados.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

JORGE RORIZ