Escândalos embaralhados

HELDER CALDEIRA

Escritor e Jornalista Político

www.heldercaldeira.com.br – helder@heldercaldeira.com.br

*Autor dos livros “Águas Turvas” (Quatro Cantos, 2014) e “A 1ª Presidenta” (Faces, 2011), entre outras obras.

A nova tática de guerrilha do atual (des)governo e da equipe de sombrio marketing vermelho é promover um tumulto de manchetes, mesclando notícias ruins —cuidadosamente vazadas a jornalistas com sede de acesso fácil aos palácios — e factoides positivos versando sobre supostas ações e conquistas de uma administração que sucateou e esculhambou a República. A proposta é embaralhar os escândalos de tal forma que seja impossível ao cidadão comum processar todas as informações e, em especial, os nomes e filiações partidárias dos envolvidos e daqueles que já foram oficialmente denunciados ao Poder Judiciário.

A estratégia dos escândalos embaralhados pode fugir à lógica em análise primária. No entanto, diante da vastíssima roubalheira já diagnosticada pela força-tarefa da Operação Lava-Jato e de seus afluentes — corrupção de grande monta, cujos números já alcançam quase R$ 1 trilhão —, uma pergunta bem ilustra o meticuloso movimento: qual brasileiro consegue citar nominalmente todos os políticos, empresários e peixes, graúdos e miúdos, envolvidos no grande assalto aos cofres públicos promovido neste bizarro tempo do PT no poder central? Ouso uma aposta-resposta: ninguém!

Por óbvio, o PT e os partidos que gravitam sua órbita têm muito a perder nas eleições municipais de outubro. Para além de termômetro para as eleições de 2018 e com uma presidente da República gozando de estratosférica e histórica rejeição popular, as urnas de 2016 tendem, neste momento, a impingir fragorosa derrota aos petistas e demais legendas situadas à esquerda do mapa de assentos políticos. Indiferente ao tamanho das cidades e de seu público-eleitor, perder prefeituras significa um imediato prejuízo à capilaridade política. Prefeitos e vereadores são a base de sustentação eleitoral para os mandatos estaduais e federais.

Não por acaso, a principal estratégia do ex-presidente Luiz Inácio da Silva — vulgo “Lula”, “Brahma” e até “Deus” para as pessoas de sua mais íntima convivência — foi entregar aos prefeitos a tarefa de distribuir o famigerado Bolsa Família, carro-chefe dos (des)governos petistas e o mais engenhoso sistema legitimado e institucionalizado de compra de votos já visto na História ocidental. Também não é por acaso que, na eleição de 2014 — a mais suja de todos os tempos! —, tornaram-se comuns nas milhares de cidades mais pobres os carros de som criminosamente anunciando que, se Dilma não fosse reeleita, o programa Bolsa Família seria extinto. Há mais de duas centenas de denúncias nesse sentindo repousando em processos empoeirados nos Tribunais Regionais e no Tribunal Superior Eleitoral. Não é demais lembrar, foram exatamente as expressivas votações nesses rincões que garantiram sucessivas vitórias ao PT.

Hoje, revelam as pesquisas de opinião, o cenário é bastante diferente. Vivendo uma monumental crise econômica e com a inflação galopante dilapidando a renda, o Bolsa Família tornou-se realmente uma esmola. Áreas fundamentais como Saúde, Educação e Infraestrutura absolutamente destruídas, entregando ao povo brasileiro um pacotão vazio e criminoso, sem esparadrapo, sem vacinas, sem remédios, sem escolas, sem merendas, sem estradas. Os principais projetos prometidos por Luiz Inácio e Dilma não conseguem sair do papel graças à vultosa incompetência que os cerca e consome. Curiosamente, a única saída para cobrir os rombos da roubalheira é propor um excrescente aumento dos já extorsivos impostos, justo no momento quando o principal tema de tormento e desassossego da população é a corrupção.

Descalabros avolumados, restou à intrépida trupe palaciana servir-se do aparelhamento político-ideológico das instituições para promover investigações seletivas e vazamentos cirúrgicos dia após dia. Um mesmo ministro de Estado é capaz de convocar ambiciosos e leais jornalista para vazar documentos sigilosos de delações premiadas e, horas depois, divulgar notas oficiais ou publicar artigos na imprensa condenando juízes e investigadores pelo alcance das denúncias e operações.

Como os “tubarões” não são presos, nem condenados, a explosão de nomes sobrepõe um escândalo a outro, tornando impossível até às sãs e sérias consciências construir um arcabouço capaz de nomear e definir a coluna vertebral daquilo que o decano Celso de Mello, ministro do STF, classificou como “projeto criminoso de poder”. Embaralhar os escândalos é uma estratégia devassa de alto risco, mas vem logrando êxito ao alcoice planaltino.

P.S.: É importantíssimo destacar que ninguém consegue explicação para o fato de investigados estarem conseguindo acesso privilegiado aos documentos sigilosos resguardados ao Supremo Tribunal Federal e à Procuradoria-Geral da República. Ainda que não possam conter o avanço das investigações, saber para onde, como e para quem elas estão apontando é um trunfo de preço político inestimável e favorece à estratégia de embaralhar as informações e congestionar a cabeça do povo brasileiro, já tão contaminada por bobagens, inutilidades e marchinhas de Carnaval.

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JORGE RORIZ