Ação perniciosa na rede

Editorial do jornal O Estado de São Paulo

25 Setembro 2018

É preocupante a quantidade de pessoas que se dedicam a criar e a difundir notícias mentirosas sobre questões de saúde pública, desorientando a população. Em seis meses de monitoramento das redes sociais, o Ministério da Saúde identificou 185 focos de fake news relacionados à saúde pública. São publicações que deliberadamente divulgam dados incorretos ou mencionam evidências científicas inexistentes.

A maioria das notícias mentirosas encontradas pelo Ministério da Saúde refere-se à vacinação, com destaque para grupos que difundem boatos a respeito de supostos riscos da vacina contra o HPV, que protege contra o vírus que causa o câncer de colo de útero.

Há também fake news sobre alimentos “milagrosos” contra doenças, falsa cura para o diabete e novas formas de transmissão do vírus HIV, como o consumo de bananas contaminadas, o que é completamente inverídico.

“Combater as fake news é uma questão de saúde pública. Sabemos que entre os fatores que influenciaram a queda na cobertura vacinal no País estão essas informações erradas disseminadas pela internet”, disse Gabriela Rocha, coordenadora de redes sociais do Ministério da Saúde. No ano passado, houve significativa redução dos índices de vacinação, fazendo com que doenças como sarampo e poliomielite voltassem a ameaçar a população.

Diante desse trabalho de desinformação, o Ministério da Saúde lançou uma campanha com vídeos e peças gráficas alertando para os riscos de acreditar em informações repassadas pela internet, sem nenhuma credibilidade. O público-alvo imediato da campanha são os pais que não estão vacinando os filhos por causa de boatos a respeito de supostos riscos dos imunizantes.

Recentemente, o governo federal também criou um canal de WhatsApp exclusivo para consultas sobre a veracidade de publicações divulgadas pela internet. Em um mês de operação, o canal recebeu 1.597 chamadas. Desse total, 310 (19,4%) eram notícias falsas. Em alguns casos, a informação falsa era repassada por meio de áudios, com supostos médicos ou enfermeiros divulgando dados sem embasamento.

O fenômeno das fake news na área da saúde não está restrito ao Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Centro de Controle de Doenças (CCD) tem investido em publicações em redes sociais. Além de combater notícias falsas, o objetivo da campanha é informar com agilidade médicos e profissionais de saúde sobre novos eventos relevantes relacionados à saúde, como o aparecimento de um surto.

O procedimento é simples. Envia-se um comunicado curto por e-mail alertando sobre o fato e, quando possível, com orientações do que se deve fazer. “O importante é agir constantemente, trabalhando com parceiros: desde os médicos até líderes comunitários ou religiosos que tenham credibilidade nos seus determinados grupos e possam disseminar a informação correta”, disse Amy Rowland, responsável de comunicação e relações públicas do CCD.

O capítulo III do Código Penal refere-se aos crimes contra a saúde pública. Por exemplo, o art. 267 prevê pena de reclusão de 10 a 15 anos para quem “causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos”. Entre outras ações, a lei também tipifica o charlatanismo – inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível – e o curandeirismo, em suas variadas modalidades, como a prescrição de substâncias ou a realização de diagnósticos. Da mesma forma, causa dano à saúde pública quem cria ou difunde notícia falsa sobre tratamentos e supostos riscos. Além de informar a população e oferecer os meios para que ela não esteja vulnerável a essas informações falsas, é preciso atualizar a legislação penal.

“Assim como as doenças, essas informações erradas viralizam, contagiam e precisam ser combatidas com rapidez”, disse Luiza Silva, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Fake news sobre saúde pública não são meros trotes. Elas podem matar, merecendo, portanto, a devida repreensão do Estado.

JORGE RORIZ