Governo usa produto químico que causa danos para apagar incêndios

Para combater os incêndios na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, o governo federal recorreu a um produto químico chamado retardante. Mas pareceres de órgãos do governo alertaram sobre os riscos que essa substância tem para o meio ambiente e para os seres humanos.

No fim de semana, ministro do Meio Ambiente anunciou o uso de retardante de fogo na Chapada dos Veadeiros: o produto químico é misturado à água que as aeronaves jogam sobre as chamas. O fabricante diz que o retardante não é tóxico e é biodegradável, e é capaz de reduzir de três dias para cinco horas o tempo para a extinção de um incêndio que se alastrou por nove quilômetros.

O Ibama discute há pelo menos dois anos o uso de retardantes de chamas. Em 2018, o instituto alertou sobre os riscos desses químicos para o meio ambiente e fez recomendações para reduzir os perigos para o solo, a água e humanos, as comunidades próximas.

Em julho, o Prevfogo, o Centro do Ibama de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais, reforçou as orientações. Os técnicos afirmaram que é preciso documentar a ocorrência de reações adversas sobre a fauna sempre que for identificada a morte de animais em áreas próximas ao local de aplicação do retardante de chama; instituir a suspensão do consumo de água, pesca, caça e consumo de frutas e vegetais na região exposta ao produto pelo prazo de 40 dias; e monitorar esses locais por seis meses.

Com a insistência dentro do Ibama para a compra e uso do produto, o Prevfogo voltou a se manifestar em agosto, reforçando que não há informações suficientes para o uso seguro do produto no Brasil: “não é possível evidenciar se caberia o uso de retardantes que possuam esses componentes em áreas como o Pantanal, Terra Indígena Xingu ou Parque Indígena Araguaia, que possuem relativa abundância de água. O mesmo questionamento é válido para áreas de Caatinga ou Cerrado com baixa disponibilidade hídrica”.

Além disso, um dos alertas envolvia a presença de uma substância chamada sulfato de amônio. O fabricante informou ao Ibama que a substância está na composição do retardante.

Segundo o Prevfogo, “o sulfato de amônio danifica e mata folhas se ficar exposto por tempo demasiado. Desta forma, não é possível definir qual o limite seguro para que o retardante não cause mais dano do que o fogo em uma floresta, como, por exemplo, quando o incêndio é superficial e não atinge a copa das árvores”.

E que “retardantes de longa duração podem ser mais tóxicos na presença de radiação UV-B e água. Assim, não é possível assegurar o uso desses produtos na Amazônia ou Cerrado, com a intensidade de radiação solar diária recebida no país”.

O responsável pelos documentos de julho e agosto foi Gabriel Zacharias, que comandava o Prevfogo. Dez dias depois do último alerta, ele foi exonerado. Depois disso, a orientação para o uso do retardante mudou.

Em outubro, o novo ocupante do Prevfogo concordou com a compra. Disse que “o não emprego de retardante, diante da gravidade da situação, é apto a ocasionar graves prejuízos à biodiversidade” e “demonstra-se a preponderância das vantagens do emprego do produto indicado”.

Depois de assinar os pareceres, José Carlos Mendes de Morais pediu para deixar o cargo. Em nota, o Ibama informou que, “não há vedação legal ou regulamento que estabeleça exigência governamental na forma de registro ou autorização de uso de produtos retardantes de chama. Com base em informações técnicas, considerou que o produto FireLimit apresenta um perfil pouco tóxico ao meio ambiente e à saúde humana. Frente às perdas potenciais da biodiversidade que o fogo oferece, prescindir do uso de produtos retardantes de chama, que são pouco tóxicos e pouco persistentes no meio ambiente, seria ignorar a preponderância dos ganhos versus os riscos avaliados”.

Mas fontes do Ibama afirmaram ao Jornal Nacional que faltam estudos sobre o uso de retardantes e suas consequências em países tropicais e áreas alagadas.

Nesta terça-feira (13), em uma audiência no Senado sobre queimadas no Pantanal, o ministro Ricardo Salles disse que o retardante também foi usado em Mato Grosso. E relacionou a criação de gado, a queima controlada e o retardante como ações para reduzir as queimadas.

“Outra discussão que vem dando bastante polêmica diz respeito à história do boi bombeiro, à criação de gado no Pantanal, uma vez que o gado também contribui para diminuir o que há de excesso de matéria orgânica, o capim, enfim, o pasto que ele ajuda a reduzir. Há uma série de medidas que decorrem desse debate que se estabeleceu, que vão desde o uso do fogo frio, da queima controlada preventiva, do tema da pecuária lá no Pantanal, o uso de retardantes e a aviação agrícola enquanto complemento”, disse Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente.

Carlos Bocuhy, especialista e presidente da Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, alerta: o retardante é tóxico e tem efeitos imediatos. E usar a figura do boi bombeiro é uma desculpa para o desmatamento.

“O retardante de chama é um produto tóxico, tanto que ele, por um período de 30 dias depois da aplicação você não pode beber da água da região. Então esse cuidado, essa quarentena que se submete a área demonstra a periculosidade do produto, que leva um tempo para que ele seja neutralizado no ambiente”, explicou.

Fonte: Jornal Nacional

 

 

 

 

 

 

 

 

JORGE RORIZ