LÓGICA DE AVESTRUZ

 

Percival Puggina

 

 

Há poucos dias, numeroso grupo de estudantes e profissionais do Direito reuniram-se na tradicional faculdade do Largo de São Francisco (USP) para defender o mandato da presidente Dilma Rousseff. No entendimento de todos, Dilma é um modelo de virtudes, o PT é vítima da maledicência de uma oposição golpista e a 13ª Vara Criminal da Justiça Federal de Curitiba é uma câmara de tortura onde pessoas honradas são extorquidas até em seus míseros e bem havidos bilhões. A mim não impressionam os camisas vermelha, militantes a privilégio, soldo e sanduíche. Impressiona-me a conduta de quem estuda e ensina Direito. Impressiona-me a indignação postiça, a seriedade estudada, a pose de injustiçados com que certos deputados petistas se manifestam na Comissão Especial do Impeachment. Impõem-se, por dever de ofício, um ar de dignidade ultrajada, como se excelsas virtudes sangrassem sob os punhais de injustificáveis acusações. Me poupem!

 

Para o bem do Brasil, entendem tais cavalheiros, a faxineira Dilma deve prosseguir sua faina moralizadora do governo e da administração pública. No entender deles, não foi o carrossel de mentiras de sua campanha eleitoral que deu o primeiro impulso à imensa rejeição popular. Não foi de sua imprudência, imperícia e incompetência, que resultou a crise econômica. Não foi a ineficiência de suas políticas que produziu a estagnação e, agora, o retrocesso dos indicadores sociais. Não foi por entre seus dedos que a Economia escoou, a receita se foi, o orçamento drenou, o investimento minguou, o emprego acabou. Não foi sob seus olhos que a corrupção alcançou níveis multibilionários contaminando, numa extensão ainda não calculada, o conjunto da administração e do governo. Foi nada disso. Para o ilustrado público do Largo do São Francisco e para os bem remunerados bajuladores dos recentes atos palacianos, o Brasil renascerá das zelosas mãos da “presidenta”. As crises em maçaroca que seu governo gerou, serão vencidas – não é uma feliz coincidência? – sob sua prudente supervisão, habilidosa capacidade de gestão e negociação, intolerância para com toda ilicitude e lealdade exclusiva à letra da lei e ao bem do pátria. “Duela a quien duela”, como anunciou certa vez Fernando Collor. Dilma, uma gestora sem compadre, padrinho e afilhado.

 

A indignação de tais doutores nem de passagem encara os crimes praticados à sombra do governo, volta-se, isto sim, contra a laboriosa atividade de um cidadão que o país reverencia: Sérgio Moro, um juiz convencido – suprema audácia! – de que a lei vale para todos.

 

No auditório da nobre faculdade, as falas e gritos de ordem rugiam para os próprios ouvidos de quem rugia. Costuma ser assim: mentiras e falsidades metabolizam falsidades e mentiras. Ganham corpo de merengue na batedeira da enganação. Assistindo aquilo em vídeo no YouTube pude perceber o quanto fica inviável o entendimento civilizado com pessoas cujos alinhamentos políticos e ideológicos turvam a visão quanto a tudo mais. Creia, leitor: sequer os mais altos escalões da magistratura nacional estão livres desse mal. Preferem não ver nem saber.

 

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

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JORGE RORIZ