MP que cria sistema eletrônico de cartórios vai à sanção

O Senado aprovou nesta terça-feira (31) a medida provisória que efetiva o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp) para unificar sistemas de cartórios em todo o país e permitir registros e consultas pela internet. O texto (MP 1.085/2021) foi aprovado com mudanças pelos senadores e por isso retornou à Câmara dos Deputados. Ainda na noite desta terça-feira, os deputados federais aprovaram as modificações feitas pelo Senado. Agora, o texto segue para sanção presidencial. A medida provisória perderia a validade nesta quarta-feira (1º).

Pelo texto, o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp) deve ser implantado até 31 de janeiro de 2023. A partir dessa data, as certidões serão extraídas por meio reprográfico ou eletrônico, ou seja, os oficiais de registro estarão dispensados de imprimir certidões (civil ou de títulos). As certidões eletrônicas devem ser feitas com o uso de tecnologia que permita ao usuário imprimi-las e identificar sua autenticidade, conforme critérios do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Esse texto havia sido aprovado pela Câmara sem mudanças, e a análise das emendas acabou sendo feita no Senado. Relator da matéria, o senador Weverton (PDT-MA) acatou várias emendas apresentadas por deputados federais e senadores e sugeriu outros ajustes no texto. Ele informou que houve cinco relatórios diferentes no total e que, a cada ajuste, foram ouvidos deputados e senadores para se chegar a um texto que pudesse ser aprovado.

— Tivemos a oportunidade de evoluir, claro, ouvindo as críticas construtivas, as sugestões, e conseguimos evoluir para uma boa mediação. Eu queria lembrar que essa medida provisória, quando veio para o Senado, veio no texto original. Eram quase 400 emendas — disse Weverton.

Sistema
Editada em dezembro de 2021, a MP 1.085/2021 traz as regras para o sistema de registro eletrônico previsto desde 2009, na  Lei 11.977/2009. De acordo com a medida, o Serp deve conectar as bases de dados de todos os tipos de cartórios e será implantado e gerenciado pelos oficiais de registros públicos de todo o país, com adesão obrigatória. O operador nacional do sistema será uma entidade privada, na forma de associação ou fundação sem fins lucrativos, a ser regulamentada pela Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Para ampliar o acesso dos interessados aos serviços digitais, a MP permite o uso de assinatura eletrônica avançada no acesso ou no envio de informações pelos cidadãos aos registros públicos, quando realizados por meio da internet. Essa modalidade de assinatura é comum em empresas e também é usada de forma gratuita na plataforma Gov.br, para cidadãos obterem a declaração pré-preenchida no imposto de renda, por exemplo. As assinaturas avançadas são mais acessíveis que as qualificadas, sistema no qual entidades particulares credenciadas cobram para emitir certificados digitais.

Segundo o governo, o Serp deve “desburocratizar’ o acesso a documentos, hoje espalhados por diferentes cartórios, e reduzir custos. Por meio do sistema, deverá ser possível ter acesso a vários documentos eletronicamente, em um só lugar. Críticos da medida, no entanto, alegam que, por ser gerido por uma estrutura privada, o Serp vai atender a interesses de cartórios e criar registros e taxas desnecessários.

— Todo esse sistema de registro público, de serviço de registros públicos eletrônicos, vai ficar na mão, ou será gestado, por um setor privado. Nós achamos isso um erro. Esse gestor-operador deve ter um caráter público — disse o senador Paulo Rocha (PT-PA) antes de concordar em retirar os destaques que havia apresentado, para que o texto pudesse seguir para a Câmara.

O senador Marcelo Castro (MDB-PI), por sua vez, classificou a medida como um avanço e disse esperar que  as custas cartoriais sejam reduzidas.

— A finalidade dessa medida provisória é desburocratizar, simplificar, organizar no país inteiro todos os cartórios, que passarão a ter registros eletrônicos. E esperamos com isso, sinceramente, que essas custas cartoriais venham também a baixar.

Objetivos
A medida lista vários objetivos do Serp, entre eles o registro público eletrônico dos atos e negócios jurídicos; o atendimento remoto aos usuários dos registros públicos por meio da internet; a recepção e o envio de documentos e títulos, a expedição de certidões e a prestação de informações em formato eletrônico; e a visualização eletrônica dos atos transcritos, registrados ou averbados nos cartórios.

O sistema também deve permitir o intercâmbio de documentos eletrônicos e de informações entre os cartórios, os entes públicos e os usuários em geral; a consulta às indisponibilidades de bens decretadas pelo Poder Judiciário ou por entes públicos; a consulta às restrições e gravames sobre bens móveis e imóveis; e a consulta a títulos de dívida protestados.

Segundo o governo, o acesso remoto e unificado às informações sobre as garantias de bens móveis e imóveis permitirá redução de custos e de taxas para acesso ao crédito.  Ao possibilitar acesso único às informações sobre garantias móveis, o governo espera que o Serp possibilite maior acesso ao crédito para empresas de menor porte que não dispõem de bens imóveis para servirem de garantia.

Identificação
O texto também permite aos órgãos conceder para tabeliães e oficiais de registros públicos acesso às bases de dados de identificação civil, inclusive de identificação biométrica, e às bases cadastrais da União, inclusive do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), e da Justiça Eleitoral. Esse acesso depende de acordo prévio entre os cartórios e órgãos públicos responsáveis pelos dados, que servirão para verificar a identidade dos usuários dos serviços de registros.

De acordo com o texto, a partir de janeiro de 2024, será dispensado o reconhecimento de firma em títulos e documentos. A responsabilidade pela autenticidade das assinaturas em documento particular será de quem o apresentar. A regra vale para contratos de compra e venda em prestações; quitações, recibos e contratos de compra e venda de automóveis; cessão de direitos; e outros. A exceção é para documentos de quitação do título registrado: quando apresentado em meio físico, deve ter firma do credor reconhecida.

Prazos
O governo também destacou como inovação da medida os prazos mais curtos para serviços dos cartórios de registros. Para certidões, o prazo atual estabelecido por lei é de até cinco dias. A medida determina que, para as certidões eletrônicas de inteiro teor da matrícula do imóvel, o prazo máximo para a emissão será de quatro horas. Para a certidão da situação jurídica atualizada do imóvel, o prazo passa a ser de um dia. Para as certidões de transcrições e demais casos, o prazo continua a ser de cinco dias.

A MP também reduz prazos de registro das escrituras de compra e venda de imóveis. Se não houver pendências ou falta de pagamento de custas, o prazo cai de 30 para cinco dias no caso de escrituras sem cláusulas especiais, requerimentos de averbação de construção e cancelamento de garantias. Para as demais escrituras, o prazo é de dez dias, exceto nos casos de mais de uma hipoteca, quando será de 30 dias.

Fundo
A MP cria o Fundo para a Implementação e Custeio do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Fics), com contribuições dos oficiais dos registros públicos, segundo o regulamento da corregedoria do CNJ. A contribuição dos oficiais para o fundo será dispensada quando eles desenvolverem e utilizarem sistemas e plataformas interoperáveis.

Weverton acatou uma emenda para deixar claro que a criação do Fics não extingue o fundo de implementação e custeio do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico (ONR). Segundo o relator, o Serp, na prática, coordenará diversas centrais eletrônicas de cada especialidade dos serviços de cartório, e o ONR é uma delas.

Extratos
Com o Serp, também será possível usar extratos eletrônicos, uma espécie de resumo, em vez de apresentar os documentos integrais para a efetivação de registros, nas situações definidas pelo CNJ. A pedido do requerente, a íntegra do contrato que deu origem ao extrato eletrônico pode ser arquivada.

Um dos pontos que geraram maior discussão dava aos tabeliães a exclusividade na produção dos extratos de escrituras públicas, de instrumentos particulares e de títulos judiciais. Com a alteração, os tabeliães receberiam 40% das custas e dos emolumentos do valor fixado para as escrituras públicas para expedir esses estratos. Mas a emenda que fazia essa mudança foi retirada na última versão do relatório apresentado por Weverton.

Após retirar a emenda, Weverton alterou o texto para prever que os extratos eletrônicos relativos a imóveis devem, obrigatoriamente, ser acompanhados de cópias do arquivamento da íntegra do instrumento contratual, exceto se tiverem sido apresentados por tabelião de notas. Os extratos e íntegras também devem ser acompanhados de declaração, assinada eletronicamente, de que o conteúdo corresponde ao original.

Além disso, o relator também incluiu no texto a permisão para que tabeliães realizem atividades de arbitragem, leiloaria, conciliação e mediação. De acordo com Weverton, essa mudança pode contribuir para reduzir o número de disputas judiciais ao tornar esses serviços mais acessíveis para o cidadão.

Regularização fundiária
Outra emenda acatada pelo relator, sugerida pelo Senador Roberto Rocha (PTB-MA), concede gratuidade de emolumentos a registros envolvendo projetos de assentamentos feitos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Segundo Roberto Rocha, os beneficiários desses projetos costumam ser pessoas de baixa renda que não possuem condições financeiras para custear as taxas.

— Sucede que, quando recebem o título de propriedade, aqueles pequenos proprietários de áreas de assentamento não têm dinheiro para registrar em cartório. A sugestão que Vossa Excelência [o senador Weverton] acatou no seu relatório é que tenha gratuidade nos cartórios para os registros desses títulos de propriedade de pequenos produtores das áreas de assentamento do Incra, pelo que eu fico muito grato — disse Roberto Rocha durante a discussão em Plenário.

A MP também faz várias alterações nas regras de procedimentos relacionados a cartórios na incorporação de imóveis (condomínios), mas Weverton promoveu mudanças com base em emenda do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS). O relator retirou a exigência de que o incorporador (aquele que coordena ou administra uma incorporação imobiliária, como um prédio de apartamentos, por exemplo) envie informações sobre o andamento das obras de três em três meses aos compradores.

A emenda também restaura a irretratabilidade desses contratos. Com a irretratabilidade, não é possível mudanças no que foi acordado no contrato. Para o relator, sem a irretratabilidade, a tendência é que o preço dos imóveis aumente com o repasse dos custos aos consumidores.

Outras emendas
Weverton também acatou emenda para afastar os contratos de arrendamento mercantil e financeiro da órbita do registro eletrônico capitaneado pelo Serp. Para ele, não cabe “burocratizar” os contratos de arrendamento mercantil, que atualmente são feitos sem necessidade de registro nos cartórios.

Outra mudança no texto foi sugerida por emenda do senador Telmário Mota (Pros-RR). Entre outros pontos, essa emenda permite a alteração do nome do registro civil em hipóteses já consagradas por atos normativos e jurisprudência; torna eletrônico e mais célere o procedimento de casamento; padroniza a conversão de união estável em casamento em todo o Brasil; e inclui na Lei de Registro Públicos (Lei 6.015/1973) o registro da união estável.

Weverton também aceitou sugestão de Wellington Fagundes (PL-MT) para permitir o aproveitamento das estruturas atualmente vigentes das centrais de cada uma das especialidades dos serviços notariais e registrais, que já prestam serviços eletrônicos. Assim, o Serp não precisaria recomeçar “do zero”.

Outra emenda acatada, esta da senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), proíbe a exigência de testemunhas de pessoas com deficiência visual na prática de atos, salvo nos casos previstos em lei.

Weverton ainda acatou outras emendas, como a da senadora Soraya Thronicke (União-MS) que busca evitar que o registro facultativo no Cartório de Títulos e Documentos seja utilizado como forma indevida de cobrança. Ele também apresentou emenda de relator para estabelecer que os valores recebidos pelos registradores civis como compensação pelos atos gratuitos praticados têm natureza indenizatória.

 

Agência Senado

JORGE RORIZ