O Brasil, os EUA e a OCDE

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

12 de outubro de 2019 | 03h00

Em março, o presidente Jair Bolsonaro retornou dos Estados Unidos trazendo na bagagem a declaração de apoio do presidente Donald Trump à entrada do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), um pleito brasileiro desde maio de 2017. O apoio público de Trump ao ingresso do Brasil no chamado “clube dos ricos” foi importante, não resta dúvida, porém vago.

Naquela visita de Estado não foi assumido qualquer compromisso entre os dois países que implicasse a definição de prazos ou condições mais claras para que o Brasil, de fato, fosse aceito como membro da OCDE. Vale dizer, soube-se àquela ocasião que o interesse brasileiro tinha a simpatia dos Estados Unidos, somente isso.

A confusão gerada pela divulgação de uma correspondência recente entre o secretário de Estado norte-americano, Michael Pompeo, e o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, à qual a agência Bloomberg teve acesso, poderia ter sido evitada caso o governo brasileiro tivesse tratado o apoio dado por Trump ao pleito brasileiro com as devidas ressalvas.

Entretanto, o governo tratou um mero aceno positivo como um fato consumado. Mais do que isso, como uma “grande vitória diplomática”, um sinal inequívoco do que seria o “acerto” do presidente Jair Bolsonaro na condução da política externa brasileira, pautada primordialmente por seu relacionamento pessoal com Donald Trump – ou ao menos a proximidade que o brasileiro imagina ter com o seu contraparte norte-americano.

Na referida carta de Michael Pompeo a Angel Gurría, os Estados Unidos rejeitam uma proposta de cronograma feita pela OCDE para início das negociações com algumas nações candidatas ao ingresso na organização. De acordo com esse cronograma, as tratativas entre a OCDE e a Argentina começariam imediatamente. Com a Romênia, em dezembro deste ano. O pleito brasileiro seria analisado em maio de 2020. Já em dezembro do ano que vem, chegaria a vez da negociação com o Peru. Em maio de 2021, por fim, haveria a negociação com a Bulgária.

O que o governo dos Estados Unidos afirma claramente na carta ao secretário-geral da OCDE é que apoia agora apenas as tratativas com a Argentina e com a Romênia, os dois casos previstos para serem analisados neste ano. “Os Estados Unidos defendem a extensão do grupo, mas em ritmo gradual, levando em conta a necessidade de pressionar (os candidatos) pela adoção de regras de governança, planejamento e sucessão”, diz trecho da carta assinada por Pompeo.

Pelo que foi noticiado, não é correto afirmar que os Estados Unidos retiraram o apoio à candidatura brasileira para ingresso na OCDE. Tanto Michael Pompeo como Donald Trump vieram a público após a divulgação da carta para reassegurar o apoio oferecido durante a cúpula bilateral havida em março. Haverá, no entanto, uma nova proposta de prazo para que o caso brasileiro seja avaliado.

O imbróglio envolvendo o Brasil, os Estados Unidos e a OCDE serve de alerta para os espíritos com boa vontade para se aferrar aos fatos, não às versões. Isso tanto vale para os membros do governo como para os cidadãos em geral, aprisionados numa polarização acrítica que hoje interdita um debate mais matizado sobre as questões de interesse público.

Não se tratou propriamente de uma “traição” do governo dos Estados Unidos. O Brasil, formalmente, também ainda não abriu mão de sua condição especial de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC), uma contrapartida exigida pelos norte-americanos para ingresso na OCDE. Logo, no tabuleiro das relações diplomáticas, o jogo estaria empatado.

O episódio também deve servir de alerta para o presidente Jair Bolsonaro por sua adesão quase incondicional aos Estados Unidos na condução da política externa do País. Nas relações internacionais, os interesses de Estado sempre devem se sobrepor às amizades, sejam elas reais ou imaginárias.

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JORGE RORIZ