O presidente e o Congresso – Editorial do Estadão

EDITORIAL – ESTADÃO – 11/01

O Legislativo, símbolo por excelência, num Estado Democrático de Direito, da representação da vontade popular, não esteve em grande sintonia com a pauta e as vontades do presidente Jair Bolsonaro em seu primeiro ano de mandato. Segundo levantamento do Estado/Broadcast, o Congresso alterou em 2019 quase 30% dos vetos presidenciais apostos em projetos de leis aprovados pelo Legislativo. Trata-se de taxa recorde de resistência ao chefe do Executivo.

O presidente Jair Bolsonaro apôs vetos em 59 projetos de lei. Em 17 deles houve alterações. O Congresso derrubou o veto integral de 6 projetos e restaurou parcialmente vetos feitos em outros 11 textos legais.

Em números absolutos, Bolsonaro já superou, apenas em 2019, a quantidade total de vetos alterados nos governos de Fernando Henrique Cardoso (3 alterações em 302 vetos), Luiz Inácio Lula da Silva (2 alterações em 357 vetos) e Dilma Rousseff (7 alterações em 265 vetos).

O presidente Bolsonaro também perdeu em números absolutos na comparação com o primeiro ano de governo de Michel Temer, bem como no porcentual de alterações durante todo o período de Temer na Presidência da República: taxa de alteração de vetos de 28,81% contra 16,4%.

Tal porcentual recorde revela o descuido do presidente Bolsonaro em seu relacionamento com o Congresso. Não apenas não trabalhou para incluir partidos na base de apoio ao governo, como se desentendeu com a própria legenda pela qual foi eleito. Além disso, parlamentares acusaram mais de uma vez o Palácio do Planalto de vetar pontos negociados com a liderança do governo. Havia, portanto, motivos de sobra para o Legislativo derrubar o veto presidencial.

Mas a resistência do Congresso não foi mera questão de revide aos métodos do governo. Houve situações de clara discordância com a pauta do Executivo. Isso ficou evidente, por exemplo, com as propostas do ministro da Justiça, Sérgio Moro. A despeito da reiterada intenção do governo federal, o Congresso rejeitou a ampliação dos casos de excludente de ilicitude para beneficiar policiais que atuam com excesso de violência. A medida arbitrária não era um anseio da população e tampouco do Congresso, vindo apenas atender a um interesse corporativo dos agentes de segurança. Deputados e senadores rejeitaram tal licenciosidade.

Segundo levantamento feito pelo Estado, a rejeição dos parlamentares a alguns dos projetos do ministro Sérgio Moro em votações nominais chegou a 80%. Por exemplo, o governo perdeu nas votações sobre a manutenção do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) no Ministério da Justiça, no pedido de tramitação em regime de urgência do projeto sobre abuso de autoridade – o governo era contrário à urgência – e na criação do juiz das garantias.

O segundo ano de mandato de Jair Bolsonaro é uma oportunidade para um maior e melhor alinhamento com o Congresso. Sendo um Estado Democrático de Direito, onde os Poderes não são absolutos, o exercício do cargo de presidente da República exige necessariamente negociação e articulação com o Legislativo. Desprezar esse aspecto do cargo é um atalho para a ineficiência e a inação. Exemplo disso são as várias medidas provisórias editadas pelo presidente Bolsonaro que o Congresso rejeitou ou deixou caducar.

Perante essa resistência do Legislativo, é uma desculpa inaceitável dizer que o presidente Bolsonaro tentou fazer o certo, mas o Congresso não deixou. Tal versão não corresponde aos fatos. Em primeiro lugar porque, se Jair Bolsonaro não se dispôs a negociar seriamente em alguns casos, em outros ele nem mesmo tentou. Foi apenas um jogo de cena para a plateia. Mas a segunda razão é ainda mais forte. Nos casos de resistência do Congresso aos planos de Bolsonaro, na imensa maioria das vezes quem estava certo era o Legislativo, que, sem se deixar levar por populismos e corporativismos poucos afeitos ao interesse público, soube dar respostas mais responsáveis e mais equilibradas. O presidente Jair Bolsonaro tem muito a aprender com a atuação do Legislativo de 2019 que, entre outros méritos, aprovou, sem dispor do apoio incondicional do Palácio do Planalto, uma dificílima reforma da Previdência.

JORGE RORIZ