Os 11 crimes de Bolsonaro

O relatório final da CPI da Covid deve pedir o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro por 11 crimes na condução da pandemia. Também devem ser responsabilizados filhos do presidente, ministros e ex-ministros, funcionários e ex-funcionários do governo, deputados e médicos.

Do anúncio da abertura da CPI, no plenário do Senado, no dia 13 de abril, até esta sexta-feira (15), os senadores interrogaram 59 pessoas, na condição de convidadas, testemunhas ou investigadas. Muitos buscaram proteção no Supremo Tribunal Federal para não serem presos, ficarem calados ou não responderem a perguntas que pudessem incriminá-los.

Nesses seis meses de trabalho, assessores do Senado, policiais federais, auditores da Receita Federal e do Tribunal de Contas da União ajudaram a analisar dados fiscais, bancários e telefônicos, mensagens apreendidas em celulares, e-mails, telegramas diplomáticos, contratos e outros milhares de documentos de domínio público e sigilosos.

Nas mais de mil páginas do relatório, que vai ser lido na terça-feira (19), o senador Renan Calheiros, do MDB, deve afirmar que o governo manteve um gabinete paralelo para dar suporte a medidas na área de saúde contra as evidências científicas, trabalhou com a intenção de imunizar a população por meio de contaminação natural, a chamada imunização de rebanho, priorizou o tratamento precoce sem eficácia comprovada, agiu contra a adoção de medidas não farmacológicas, como o distanciamento social e o uso de máscaras, e, deliberadamente, atuou para atrasar a compra de vacinas.

O relatório deve dizer que o governo federal foi omisso e optou por negligenciar o enfrentamento da pandemia. Com esse raio-x dos comportamentos e atitudes, Renan Calheiros deve indicar o cometimento de 22 crimes diferentes. Entre eles, homicídio, genocídio de indígenas, crimes contra a humanidade, corrupção, fraude em licitação, prevaricação e falsificação de documentos.

O relatório deve recomendar que 63 pessoas sejam indiciadas, além de uma empresa, a Precisa Medicamentos, envolvida na suspeita de corrupção na venda da vacina Covaxin ao governo federal.

 

Segundo o relator da CPI, o presidente Jair Bolsonaro vai ser indiciado por 11 crimes:

– epidemia com resultado morte;

– infração de medida sanitária preventiva;

– charlatanismo;

– incitação ao crime;

– falsificação de documento particular;

– emprego irregular de verbas públicas;

– prevaricação;

– genocídio de indígenas;

– crime contra a humanidade;

– crime de responsabilidade – por violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo;

– e homicídio comissivo por omissão no enfrentamento da pandemia.

A TV Globo apurou que Renan Calheiros também deve pedir o indiciamento de três filhos do presidente: o senador Flávio Bolsonaro, por advocacia administrativa – quando um servidor se vale do cargo que ocupa para defender interesses privados -, incitação ao crime e improbidade administrativa; o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro por incitação ao crime.

O relator deve, ainda, indiciar três ministros: Marcelo Queiroga, por epidemia culposa com resultado morte e prevaricação; Onyx Lorenzoni, por genocídio de indígenas; e Wagner Rosário, por prevaricação.

O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazzuelo deve ser o segundo com maior número de pedidos de indiciamento – sete, só atrás do presidente Bolsonaro: epidemia com resultado morte, incitação ao crime, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, comunicação falsa de crime, genocídio de indígenas e crime contra a humanidade.

 

Outro ex-ministro, Ernesto Araújo, deve ser indiciado por epidemia culposa com resultado em morte e por incitação ao crime. Além de funcionários ou ex-funcionários de alto escalão do governo, como:

Élcio Franco, Mayra Pinheiro, Roberto Ferreira Dias, Arthur Weintraub e Fábio Wajngarten.

Seis deputados devem estar na lista de indiciados de Renan: o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, por advocacia administrativa e improbidade administrativa; Osmar Terra, por epidemia culposa com resultado morte e incitação ao crime; Carla Zambelli, Bia Kicis, Carlos Jordy e Hélio Lopes, por incitação ao crime.

Na lista devem estar também pessoas apontadas como integrantes do gabinete paralelo, como os empresários Luciano Hang e Otávio Fakhoury, por incitação ao crime, e Carlos Wizard, por epidemia culposa com resultado morte, além dos médicos Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto, pelo mesmo crime.

A TV Globo também apurou que o relatório vai demonstrar a existência de uma organização com sete núcleos articulados entre si para disseminar conteúdo falso – as chamadas fake news – para a população sobre o combate à pandemia. A CPI constatou que a estrutura oficial do governo foi usada para levar desinformação aos brasileiros.

Parte das informações que devem ser utilizadas no relatório foram compartilhadas pelo Supremo Tribunal Federal, a partir de investigações já feitas pela Polícia Federal no inquérito das fake news.

De acordo com a apuração da CPI, o comando vem do presidente da República, Jair Bolsonaro, e dos filhos, que criam e replicam fake news sobre os impactos da pandemia.

O relatório deve dizer que o segundo núcleo (formulador) e o terceiro núcleo (execução e apoio às decisões) são formados por servidores do gabinete da Presidência, incluindo o que ficou conhecido como “gabinete do ódio”, e o quarto núcleo (político) é formado por parlamentares, políticos e religiosos que dão suporte às decisões da organização.

Os três outros núcleos estariam mais relacionados a pessoas de fora do governo: o núcleo de produção das fake news e operação das redes sociais, o de disseminação das fake news e o de financiamento desses conteúdos.

O caso da Prevent Senior, que ganhou grande destaque ao final das investigações, deverá ter um capítulo à parte. Para a CPI, a operadora de plano de saúde pressionava médicos a prescreverem remédios do chamado “kit Covid”, comprovadamente ineficazes no combate à doença, como parte de um estudo sem o consentimento dos pacientes e em conjunto com o governo federal. A comissão também apurou indícios de que a Prevent ocultava mortes por Covid.

No relatório, Renan Calheiros deve propor o indiciamento de oito médicos da Prevent e do diretor da empresa, Pedro Benedito Batista Júnior, por perigo para a vida ou saúde de outrem, omissão de notificação de doença, falsidade ideológica e crime contra a humanidade.

Se o relatório for aprovado pela maioria dos senadores da CPI, na votação prevista para quarta-feira (20), ele será encaminhado à Procuradoria-Geral da República, que terá a tarefa de conduzir as investigações sobre os indiciados com foro privilegiado, como o presidente Bolsonaro, ministros e parlamentares federais.

 

O relatório será ainda enviado para a primeira instância do Ministério Público Federal e dos estados, que terão que levar adiante as investigações que envolvem os outros indiciados.

Cópias das investigações serão encaminhadas para a Polícia Federal e Receita Federal, além do Tribunal Penal Internacional, por causa das acusações de genocídio de indígenas e crimes contra a humanidade.

“O relatório de uma Comissão Parlamentar de Inquérito equivale no processo penal a uma espécie do inquérito policial. Então, em havendo indício, em havendo prova, é necessário pedir o indiciamento dessas pessoas. Foi isso que nós fizemos. Foi um trabalho gigantesco, uma investigação que se deu à luz do dia. Nós contamos com uma aderência muito grande da sociedade. Não pretendíamos investigar corrupção, e logo nos deparamos com ela, e tivemos que aprofundar as investigações em todas as direções. Acho que foi um trabalho satisfatório, que precisa ter continuidade nas instâncias específicas para onde nós o mandaremos”, disse o senador Renan Calheiros, relator da CPI.

JORGE RORIZ