O QUE SIGNIFICA A VAIA A MICHEL TEMER?

Percival Puggina

          O grande Nelson Rodrigues afirmou certa vez que brasileiro vaia até minuto de silêncio. Nunca vi, mas não me surpreenderia. O estádio de futebol não é muito diferente de um coliseu romano. Quem ali se exibe expõe-se a que os dedos indicadores se virem para baixo. Em 2013 coube a Dilma coletar pesada, prolongada e reiterada soma aritmética de vaias e insultos na abertura da Copa das Confederações. Ao seu lado, Joseph Blatter exclamou incomodado: “Onde está a educação?”. Na recente cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, a mais prolongada vaia coube a Carlos Nuzman, presidente do COB, no exato momento em que referiu de modo elogioso as gestões das três esferas de administração ali atuantes: município, Estado e União. Conseguiu reunir um pacote cheio de desagrados. Por fim, sobrou para Temer, quando, em meia dúzia de palavras, literalmente agarrou-se ao microfone para proclamar que os jogos estavam abertos.

          Não havia como ser diferente. Temer só encantaria o público se fizesse um gol de bicicleta do meio do campo. Como chefe de Estado, nem pensar. E é sobre isso que eu creio ter algo a dizer quanto à vaia de ontem. Fatos assim, diante de um público internacional, produzem manifestações de surpresa. A conduta é tomada como falta de educação, de respeito. Não que tenhamos muito respeito e educação por aqui, mas esses casos merecem considerações mais amplas. O problema é bem mais grave do que bons ou maus modos.

          Países cujas instituições são concebidas com maior racionalidade separam  as funções de chefe de Estado das funções de chefe de governo e as delegam a pessoas diferentes. O chefe de governo representa a maioria do momento e conduz suas políticas. Como tal, agrada e desagrada, vai para a chuva e para sol. Leva vaia e aplauso. Tem maioria, assume. Perde a maioria, cai. É a figura mais notória na arena do Coliseu político, objeto dos veredictos da turba. Isso é assim, independente do nível cultural e de educação das pessoas. O chefe de Estado, ao contrário, exerce a representação formal da nação. Eram chefes de Estado, no exercício de função típica, os que vieram à cerimônia de ontem acompanhando suas delegações. São símbolos acima das divergências partidárias, são Poder Moderador, podem dissolver parlamentos e convocar novas eleições. Mundo afora, nos países onde essa função existe, o titular que assim se conduz é recebido com reverência e aplauso. Daí a visível surpresa dos estrangeiros em relação a essas vaias próprias do presidencialismo que compartilhamos com as repúblicas ibero-americanas, em suas instabilidades, frustrações e incapacidades de aprender mesmo quando os fatos nos esmurram a face.

          Se o que expus parece uma minúcia, uma questão sutil, saiba que nela está quase toda a diferença entre estabilidade política e convulsão. Cento e vinte e seis anos de rupturas e instabilidades institucionais clamam por um basta a esse sistema! Aquela vaia a Michel Temer significa que este país tem um problema institucional.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

JORGE RORIZ