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Toffoli anula todas as provas contra Lula

O ministro do STF Dias Toffoli anulou todas as provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht firmado com a Lava Jato em 2016 – a delação premiada da empresa. Toffoli anulou também as informações obtidas em dois sistemas da Odebrecht que, segundo a Lava Jato, se referiam a pagamentos de propina a políticos.

Na prática, as investigações que usaram essas informações podem ser até encerradas. Na decisão, Dias Toffoli diz que já seria possível concluir que a prisão de Lula, em 2018, poderia ser chamada de um dos maiores erros judiciários da história do país.

O ministro Dias Toffoli tomou a decisão a partir de um pedido da defesa do presidente Lula, feito em 2020, com base na Operação Spoofing. Essa operação da Polícia Federal, deflagrada em 2019, investiga a ação de hackers que vazaram conversas de autoridades, como o juiz Sergio Moro e procuradores que atuaram na Lava Jato.

A defesa de Lula argumentou que as mensagens vazadas mostraram que o acordo de leniência da Odebrecht foi feito fora dos canais oficiais e, por isso, pediu que as provas não fossem usadas em processos contra o presidente.

A decisão de Toffoli ampliou a anulação das provas para todas as ações que usam informações obtidas no acordo de leniência da Odebrecht e dos dois sistemas usados pela empresa, segundo a PF, para pagar propina a políticos.

Ministro Dias Toffoli invalida provas obtidas em acordo de leniência da Odebrecht — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução

Agora, caberá ao juiz de cada processo fazer a análise da anulação para cada caso. Ou seja, se a partir da decisão tudo será anulado, se o processo volta pra estaca zero ou se será arquivado.

Desde 2021, o então ministro Ricardo Lewandowski vinha dando decisões em casos individuais impedindo que provas do acordo de leniência da Odebrecht fossem usadas, o que levava a suspensão e arquivamento de processos. Mas a decisão desta quarta-feira (6), de Toffoli, tem efeito maior, por atingir, de uma vez, todas as ações que usam essas provas e até mesmo fatos que tenham conexão.

Toffoli classificou como um erro a prisão de lula e, sem citar nomes, afirmou que autoridades não respeitaram o processo legal com o objetivo de atingir um projeto de poder.

O ministro disse que “pela gravidade das situações estarrecedoras postas nestes autos, somadas a tantas outras decisões exaradas pelo STF, já seria possível simplesmente concluir que a prisão do reclamante, Luiz Inácio Lula da Silva, até poder-se-ia chamar de um dos maiores erros judiciários da história do país. Mas, na verdade, foi muito pior”.

O ministro prosseguiu:

“Tratou-se de uma armação, fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado por meios aparentemente legais, mas com métodos e ações contra legem, ou seja contrários à lei. Digo, sem medo de errar, foi o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições, que já se prenunciavam em ações e vozes desses agentes contra as instituições e ao próprio STF. Ovo esse chocado por autoridades que fizeram desvio de função, agindo em conluio para atingir instituições, autoridades, empresas e alvos específicos”.

 

E conclui essa parte da decisão, dizendo que “sob objetivos aparentemente corretos e necessários, mas sem respeito à verdade factual, esses agentes desrespeitaram o devido processo legal, descumpriram decisões judiciais superiores, subverteram provas, agiram com parcialidade (vide citada decisão do STF) e fora de sua esfera de competência. Em última análise, não distinguiram, propositadamente, inocentes de criminosos. Valeram-se, como já disse em julgamento da Segunda Turma, de uma verdadeira tortura psicológica, um pau de arara do século XXI, para obter ‘provas’ contra inocentes”.

O ministro determinou que a Polícia Federal deve enviar à defesa de Lula e aos demais investigados, em até 10 dias, o conteúdo integral das mensagens da Operação Spoofing, incluindo “todos anexos e apensos, sem qualquer espécie de cortes ou filtragem”.

Na decisão, o ministro ainda estabeleceu que a Procuradoria-Geral da República e outros órgãos “identifiquem e informem eventuais agentes públicos que atuaram e praticaram os atos relacionados ao referido acordo de leniência, sem observância dos procedimentos formais, e adotem as medidas necessárias para apurar responsabilidades não apenas na seara funcional, como também nas esferas administrativa, cível e criminal”.

Ao tomar a decisão de anular as provas, Dias Toffoli apontou que não é possível comprovar que houve a preservação da chamada cadeia de custódia, que é a garantia de que as provas ou indícios foram totalmente preservados, sem sofrer alterações.

Toffoli citou a decisão do ministro Ricardo Lewandowski que destacou que “segundo consta dos diálogos encartados nos autos, esse material foi plugado em computador, desplugado, carregado em Brasília em sacolas de supermercados”.

O ministro também citou, por exemplo, que não houve acordo formal de cooperação internacional através do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica. Sem essa formalização, não é possível fazer esse tipo de acordo.

Não foi encontrado registro de pedido de cooperação jurídica internacional para instrução do processo da 13ª Vara Federal de Curitiba, no qual foi homologado o acordo de leniência da Odebrecht” e nem para “recebimento do conteúdo dos sistemas da Odebrecht”.

Entenda ponto a ponto a decisão de Toffoli que anulou provas obtidas pela Lava Jato

Saiba mais

Lula foi preso em 2018 no caso do triplex do Guarujá, com base em provas que não levaram em consideração o acordo da leniência da Odebrecht. O Ministério Público usou no processo, por exemplo, a delação do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, também condenado no processo.

Em 2021, o Supremo anulou todas as condenações de Lula na Lava Jato e as investigações saíram de Curitiba. Depois, a Segunda Turma do Supremo reconheceu a parcialidade de Sergio Moro na condenação do triplex.

A decisão desta quarta-feira (6) do ministro Dias Toffoli é definitiva, porque foi tomada em resposta a uma reclamação, ou seja, um tipo de processo que permite uma decisão permanente. O caso só vai para análise da turma se houver recurso. Toffoli é da Segunda Turma do STF.

Em nota, a Associação Nacional dos Procuradores da República afirmou que “o acordo de leniência firmado pelo Ministério Público Federal com a Odebrecht resultou de negociação válida, devidamente homologada pelo próprio STF – Supremo Tribunal Federal, com a participação de vários agentes públicos, pautados em atividade regular”, que “o acordo celebrado pela empresa Odebrecht com o MPF não é um acordo internacional” e que, “quando se fez necessária a transmissão e o recebimento de quaisquer provas, informações ou valores entre autoridades nacionais e estrangeiras, o MPF sempre seguiu precisamente o procedimento determinado na legislação, fazendo os requerimentos em juízo”.

Transparência Internacional disse que a decisão passa a imagem de que o Brasil não está comprometido com o combate à corrupção.

“Ela terá impacto sobre a imagem internacional do Brasil, porque, nesse exato momento, o país passa por uma avaliação da OCDE sobre o seu compromisso na convenção contra o suborno transnacional, que é exatamente o caso da Odebrecht, que exportou corrupção para mais de uma dezena de países. Se houve irregularidade em procedimentos específicos, isso deve ser apurado, deve ser corrigido e, talvez, até responsabilizações atribuídas. Mas o que não se pode fazer é, quando há um vazamento em um edifício, o que se deve fazer é consertar o vazamento e não demolir o edifício completo”, defende Bruno Brandão, diretor-executivo da Transparência Internacional Brasil.

 

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann , em uma rede social, afirmou: “Decisão exemplar do ministro Toffoli confirma o que sempre dissemos sobre a farsa da Lava Jato. Cedo ou tarde, a verdade sempre vence. Os que mentiram, falsificaram provas, arrancaram depoimentos à força, terão agora de responder por seus crimes”.

Também em uma rede social, o ex-juiz Sergio Moro, senador pelo União Brasil, afirmou que: “A corrupção nos governos do PT foi real. Criminosos confessaram e mais de R$ 6 bilhões foram recuperados para a Petrobras. Esse foi o trabalho da Lava Jato, dentro da lei, com as decisões confirmadas durante anos pelos tribunais superiores. Os brasileiros viram, apoiaram e conhecem a verdade. Respeitamos as instituições e toda a nossa ação foi legal. Lutaremos, no Senado, pelo direito à verdade, pela integridade e pela democracia. Sempre!

Em uma rede social, o ex-juiz Sergio Moro, senador pelo União Brasil, comentou a decisão de Dias Toffoli — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução

Em uma rede social, o ex-juiz Sergio Moro, senador pelo União Brasil, comentou a decisão de Dias Toffoli — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução

Em entrevista à Globonews, Deltan Dallagnol, que era o coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público do Paraná, disse que a Lava Jato seguiu as provas para condenar corruptos.

“O que nós vemos aí é uma decisão que está blindando a corrupção, de modo não fundamentado. Sem um fundamento jurídico sólido, blindando a investigação e o processamento de mais de 400 políticos que foram implicados nas planilhas da Odebrecht, de 26 partidos, fora o risco de devolução de R$ 3,2 bilhões recuperados por meio do acordo que, uma vez anulado, esse dinheiro pode ter que vir a ser devolvido para quem confessou corrupção, confessou que roubou a sociedade. Devolveu o dinheiro e, eventualmente, esse dinheiro pode vir a ser devolvido para a própria empresa que confessou crimes. Qual condenação se referiu a alguém inocente? Essa é a questão. Houve condenação de inocentes? Houve perseguição? Houve forja de provas? É claro que não”.

 

O líder da oposição, deputado Carlos Jordy, do PL, afirmou que a investigação comprovou que houve, sim, corrupção na Petrobras.

“Houve todo um esquema de recebimento de propinas. Na verdade, um esquema de propinas totalmente estruturado pela Odebrecht, que envolve mais de 180 nomes da classe política. E, com isso, anulam todas as provas. Provas que vão afetar toda a classe política que esteve participando desses esquemas de corrupção”.

 

O líder do governo no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues, sem partido, falou que a decisão de Dias Toffoli tem significado histórico.

“Primeiro tem o significado histórico, porque reconhece que o presidente Lula foi vítima do mais grave erro judiciário da história do país. Segundo, reconhece que a operação que levou cabo a prisão do atual Presidente da República foi um momento da história do país que não pode se repetir. Aliás, tem que ser lembrado para que não se repita, para que não mais aconteça. Corrupção é também quando o aparato do Estado, sobretudo o aparato Judiciário, Ministério Público e Judiciário, é apropriado por grupos para fins particulares”.

 

O vice-líder do governo , deputado Carlos Zarattini, do PT, considerou a decisão uma retratação.

“É uma decisão que confirma tudo aquilo que a gente sempre falou sobre esse processo. Um processo politizado, um processo que tinha um objetivo que não era julgar um crime, mas era condenar previamente o réu. Hoje, o STF – Supremo Tribunal Federal, a luz de todo o processo, faz uma reconsideração que é importantíssima do ponto de vista histórico para o Brasil”.

 

O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães, do PT, disse que a decisão está em conformidade com o Estado Democrático de Direito.

“Essa decisão repõe algo que é fundamental para a democracia brasileira, que é a afirmação do devido processo legal em todo o âmbito do Judiciário, do Estado Democrático de Direito e que ninguém está acima da lei e da nossa Constituição. Repõe essa que é, para mim, é a centralidade de quem defende a democracia”.

 

O ministro da Justiça, Flávio Dino, também falou as em reparação histórica.

“Eu acho que a questão, a essas alturas, tem exatamente essa dimensão que você descreve: é uma reparação histórica. Esse trecho da decisão é bastante claro, bastante eloquente, demostra o que nós vínhamos dizendo há muitos anos. Ou seja, que para fazer justiça, você deve observar normas legais. Existem regras que são mandatórias e essas regras é que conseguem distinguir com precisão o inocente do culpado”.

 

O ministro disse que vai pedir para a Polícia Federal investigar as ilegalidades apontadas pela decisão de Toffoli.

Controladoria-Geral da União afirmou que ainda não foi formalmente intimada.

O Ministério Público Federal informou que vai analisar os argumentos para decidir quanto ao cabimento de eventuais providências.

Advocacia-Geral da União declarou que para cumprir a determinação do ministro vai criar uma força-tarefa para apurar desvios de agentes públicos e reparar os danos causados por decisões da 13ª Vara Federal de Curitiba na Lava Jato.

A Novonor – antiga Odebrecht – decidiu não se manifestar.

FONTE: JORNAL NACIONAL -REDE GLOBO

JORGE RORIZ