Uma escolha e duas tragédias

Enviado por José Serra ( também publicado no Estadão)

Há duas tragédias na vida. A primeira é não obter o que seu coração mais deseja. A segunda é obter.
(G. Bernard Shaw)

Não há como deixar de abordar os dois temas que desassosseguem a opinião pública: a crise econômica e o impeachment. E com toda razão.

A atual crise econômica é a pior que já tivemos no Brasil contemporâneo. A previsão de queda do PIB acumulado em 2015/16 é de pelo menos 6,5%; no período serão destruídos cerca de 3 milhões de empregos com carteira assinada. A contração dos investimentos no triênio 2014/2016, prevê-se, será de 30%! A queda da produção industrial, cerca de 18%. Some-se, ainda, nessa equação uma inflação superior aos 10% ao ano.

Entre parênteses, a participação da indústria no PIB voltou ao nível de meados dos anos 40. A marcha de desindustrialização segue em frente, promovida pelos governos petistas. Não me parece injusto repetir o que já disse no Senado: o PT é a vanguarda do atraso.

Em relação às finanças públicas, a situação é desesperadora: em 2015 o déficit nominal saltou para 10,5% do PIB, vindo de 6,2% em 2014. Em dinheiro: de R$ 344 bilhões para R$ 630 bilhões de reais! A despesa com juros aumentou em R$ 200 bilhões.

A responsabilidade original por esse desastre cabe ao presidente Lula, que, em seu segundo mandato, jogou fora os frutos da bonança externa. Entre 2002 e 2008, o país ganhou U$100 bilhões por conta da melhora de preços do nosso comércio exterior, mas isso literalmente foi torrado em bens de consumo importados, turismo externo e expansão alucinada dos gastos correntes do governo.

Foi Lula, nesse período, quem consagrou a filosofia macunaímica que plasma a alma petista: “Investimento? Produtividade? Ai, que preguiça!” A economia seria como uma clara de ovo, que basta chacoalhar para crescer. “Emagreça comendo, exercite-se deitado, aprenda inglês dormindo”. Resultado: no final do segundo governo Lula, o Brasil tinha uma taxa de câmbio supervalorizada, a maior carga tributária entre os emergentes, déficit em conta corrente em rápida ascenção e era um dos cinco países entre os emergentes que menos investia em infraestrutura (em proporção do PIB).

Sob a presidência de Dilma, a farra foi perdendo fôlego: fim da bonança externa, piora da situação fiscal e incapacidade do petismo – e do governo, em particular – de lidar com a economia em declínio. Um erro antológico foi a desoneração previdenciária das folhas de salário, empinando o déficit fiscal sem aumentar os investimentos desses setores. Sua inépcia e sua má ideologia inviabilizaram o aumento da presença do setor privado nos investimentos de infraestrutura. Mais ainda, o governo capitaneou os investimentos megalomaníacos e mal feitos da Petrobrás e promoveu contenção eleitoreira dos preços administrados de energia elétrica e combustíveis, criando desequilíbrios que, depois da eleição de 2014 levariam ao estouro da Inflação e à contração da economia/emprego.

Dilma começou seu segundo mandato sem aquele mínimo crédito de confiança necessário a um novo governo num contexto de crise. Tudo só piorou ao longo do ano – produção, emprego, contas fiscais e sustentação no Congresso – esta última altamente correlacionada com a perda de popularidade da presidente.

Outro fator negativo foi a deterioração das políticas sociais, com destaque para o atendimento à saúde, hoje a segunda maior aflição das pessoas, depois da corrupção. O setor já vinha sofrendo danos na era petista: má gestão, falta de prioridades, surtos de corrupção. O desabamento da arrecadação da União, assim como dos estados e dos municípios, que têm participação dominante no SUS, representou um golpe fatal para o setor ao longo de 2015.

Na economia, a contrapartida da rejeição popular foram as expectativas pessimistas dos agentes econômicos, que se retroalimentam numa espiral negativa. De um lado, não se investe por causa dessas expectativas. Do outro, a contração dos investimentos e do gasto privado piora a situação econômica. Hoje, ninguém acredita que Dilma tenha ou venha a ter capacidade para enfrentar a crise. Não é por menos que a ruptura entre a presidente e seu vice e o início do processo de impeachment fizeram o dólar cair e a bolsa subir. Até as ações da Petrobrás subiram em Nova York.

O quadro econômico, social e político é o pano de fundo do juízo político que a Câmara fará, ao admitir ou não as acusações de crime de responsabilidade contra a presidente, bem como do julgamento do Senado, caso a Câmara admita as acusações. Ou seja, a matéria irá além da simples qualificação jurídica. Diz respeito, também, a uma crise política de sérios contornos.

O Congresso deve trabalhar para que o processo do impeachment ande sem delongas, de maneira séria, e seja concluído o quanto antes.

O lulopetismo já naufragou. Estamos na transição para outro ciclo político e vivemos, por isso, o pior dos mundos: o velho se foi e o novo ainda não surgiu. Uma fase especialmente mórbida da história brasileira.

Se o impeachment acontecer, o day after está esboçado: assume o vice-presidente Michel Temer, que se empenhará em formar um governo de união nacional para restabelecer a estabilidade política e enfrentar a crise.

Se não houver o impeachment, realiza-se o que o coração da presidente Dilma mais deseja: sua continuidade no cargo, mesmo que seja por um número pequeno de votos. O mínimo é de 171 deputados, mas digamos que obtenha 200…

O governo Dilma permanecerá sem crédito de confiança e sem sustentação política, sem levar em conta sua carência crônica de aptidão administrativa e sua alienação sobre o que deve ser feito. O day after será apenas a reiteração enjoativa do pesadelo que experimentamos em vigília.

A tragédia 1, que terá sido evitada para Dilma, dará lugar à tragédia 2: o prolongamento do retrocesso mórbido e desestabilizador, com Dilma no centro de tudo.

É hora de a presidente encarar as duas tragédias que a espreitam: salvar-se, mantendo o país acorrentado na desesperança; ou deixar o mandato, criando a possibilidade de que o Brasil, com alguma sorte e juízo de suas lideranças, consiga retomar os caminhos do desenvolvimento.

SENADOR DA REPÚBLICA, EX-PREFEITO E EX-GOVERNADOR DE SÃO PAULO

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JORGE RORIZ